Esse post foi escrito com base nas provocações, indagações e orientações do Tiago Lafer, gestor de um family office e um dos investidores no nosso fundo Journey III. Obrigado por nos levar ao limite!
Segundo o relatório do Peterson Institute for International Economics, 48% das grandes fortunas brasileiras são originárias de heranças, 21% do empreendedorismo, 18% do mercado financeiro, 8% de executivos e 5% de políticos.
A primeira vista, chama a atenção o percentual de grandes fortunas originárias de herança (48%) em comparação com outros países como EUA (29%) e China (3%). Mas talvez o dado mais relevante é que 21% das fortunas brasileiras são originárias do empreendedorismo. Ou seja, empreender dá dinheiro no Brasil. Mas a pergunta que nós fazemos é: vale a pena investir em empreendedores? Se sim, podemos esperar que a maior parte das fortunas brasileiras virá do empreendedorismo em um futuro próximo?
Nossa hipótese é que a resposta para ambas as perguntas é SIM. Mas já que somos parte suspeita e temos uma visão otimista e enviesada do assunto, vale revermos os 6 principais mitos que rodeiam o assunto antes de respondermos a essas duas perguntas.
Mito #1: Não existem saídas no mercado brasileiro — FALSO
Talvez o mito mais pernicioso que rodeia o empreendedorismo brasileiro é a falsa impressão de que não existem saídas (liquidez). Seja pela falta de visibilidade ou pela busca cega apenas pelas transações bilionárias, essa percepção não poderia estar mais equivocada. Embora não haja nenhum estudo científico (e conclusivo) sobre os eventos de liquidez de empresas de tecnologia no Brasil, temos colecionado as informações de mercado em um post vivo no Medium: Tech Exits no Brasil.
É patente que existe liquidez para empresas de tecnologia em todas as faixas de valor, como podemos ver na tabela abaixo:
Portanto, a pergunta correta não é se existe liquidez no mercado brasileiro, mas sim aonde estávamos nós investidores quando essas empresas foram formadas, já que poucas dessa lista receberam investimento anjo e/ou de venture capital. Na maior parte, essas empresas foram financiadas com o capital próprio do empreendedor, com o capital gerado na sua operação (o tal do bootstrapping), ou com o capital de fundos de private equity e/ou empresas estratégicas quando já maduras.
Mito #2: O juros brasileiro é impeditivo para investimentos em startups — FALSO
Partindo da constatação de que existem saídas nas faixas de valores típicas de cada etapa da cadeia produtiva de venture capital, podemos simular o retorno para cada tipo de investidor ao longo da curva de crescimento de uma startup, tomando como pressuposto os valores pre-money medianos da indústria de VC e um intervalo médio de 2 anos entre cada etapa (para mais detalhes, ver Diário de um VC: erros e acertos na nossa jornada).
Assim se um Anjo investir R$1 milhão de reais em uma startup e 2 anos depois a empresa conquistar o product-market-fit (para mais detalhes, ver Diário de um VC: em busca do escalável, sustentável e admirável), é possível que ela receba uma rodada Seed que a avalie em R$15 milhões, ou que seja vendida para um estratégico por esse mesmo valor. Nesse caso, o valor do investimento teria se multiplicado por 2.33x, ou uma taxa de retorno anualizada de 58%. Um retorno significativamente maior que o custo de capital no Brasil. O mesmo acontece para todas as fases de investimento se o ritmo de crescimento da empresa justificar uma próxima rodada ou uma saída.
O grande desafio portanto é atrair ou encontrar as oportunidades com esse perfil de crescimento e possibilidade de liquidez; assim como montar um portfólio que minimize risco e maximize retorno. A capacidade de originação é uma das atividades mais críticas de um investidor de empreendedores.
Mito #3: A complexidade do ambiente de negócios no Brasil impede que startups compitam com empresas estabelecidas — FALSO
O Brasil é considerado um dos países mais isolados de competição e mais seguros para as empresas estabelecidas. Parte desta proteção se dá pelo excesso de regulação e parte pela exagerada complexidade do nosso ambiente de negócios. Em muitos setores, a concentração de mercado é excessivamente alta. Algumas poucas empresas detêm a maior parte de participação do mercado. Elas se sentem protegidas e confortáveis. É o que torna o ataque ainda mais gostoso.
Talvez uma das facetas mais interessantes do nascente ecossistema de startups brasileiro é a safra atual de empresas SaaS (software as a service). Tanto a variedade dos produtos sendo oferecido (ex. ferramentas de marketing e vendas, de atendimento, de recursos humanos, de produtividade, de planejamento, de gestão, etc.) é extensa, como a maturidade dessas empresas é notória.
O propósito de ser dessas empresas é justamente fornecer soluções para outras empresas (em especial as PMEs) poderem competir de igual, ou até melhor, que as grandes empresas. Dentro desse universo, existem ainda startups atuando em um segmento denominado RegTech (de regulatory tech, ou tecnologia para lidar com regulamentação e compliance) justamente reduzindo drasticamente o custo de empresas lidarem com a excessiva burocracia e regulação do mercado brasileiro.
É o caso de empresas como Omie (empresa do nosso portfolio), Conta Azul , Nibo e Contabilizei que estão mudando a maneira como empresas emitem notas fiscais e gerenciam os impostos devidos. Por R$300 por mês uma pequena empresa consegue vender e pagar seus impostos em todo território nacional.
É ainda o caso de startups como Convenia que está barateando o custo de empresas lidarem com as obrigações trabalhistas. Ou ainda a Clicksign (empresa do nosso portfólio) que está buscando acabar com a necessidade de assinaturas com reconhecimento de firma. A lista é extensa.
Como diria Marc Andreessen, software is eating the world, e vai comer a burocracia brasileira também. Nós vamos lutar sim por um ambiente de negócios melhor no Brasil. Mas bons empreendedores não vão esperar uma estrada de mão dupla asfaltada para subir o Monte Everest.
Mito #4: É difícil derrotar os grandes oligopólios brasileiros — VERDADEIRO
Sim, é muito difícil derrotar uma grande empresa, quanto mais um oligopólio. Mas essa é justamente uma das funções das startups: atacar os incumbentes. Embora não existam estatísticas dessas batalhas corporativas, podemos buscar uma analogia na história dos conflitos de baixa intensidade, que hoje em dia chamamos de guerrillas. O que podemos aprender com Genghis Khan, Giuseppe Garibaldi, os Boers, e até mesmo Lawrence d’Arabia?
Em Invisible Armies: An Epic History of Guerrilla Warfare from Ancient Times to the Present, Max Boot discorre sobre esses movimentos, assim como os fatores do seu sucesso e/ou fracasso. Ele aponta que desde 1775, o mundo presenciou 381 insurgências, ou guerrillas: povos ou minorias se rebelando contra um poder ou estado estabelecido. Desse total, os incumbentes (os fortes) ganharam 63.78%, enquanto os insurgentes (os fracos) 25.20%. 11.02% desses embates terminaram empatados.
Ou seja, na luta dos fracos (startups) contra os fortes (oligopólios), é patente a vantagem desse último grupo. Mas existe uma chance significativa de serem derrotados. É a luta de Davi (startup) correndo para construir um canal de distribuição contra Golias (oligopólio) correndo para adquirir a nova tecnologia.
Mito #5: O perfil risco/retorno de investimento em oligopólios é melhor do que o de investimento em startups — PARCIALMENTE VERDADEIRO/FALSO
Não há dúvidas que investir nas grandes empresas brasileiras é e continuará sendo um bom negócio. E se existe uma grande possibilidade desses oligopólios continuarem a fazer dinheiro (e ganhar as batalhas contra as startups), porque não continuar investindo só neles? Como qualquer apostador profissional de cavalos irá dizer, o cavalo com mais chances de ganhar pode muito bem não ganhar.
Em um páreo aonde o cavalo favorito tem 75% de chances de ganhar e os demais cavalos 25%, qualquer estratégia de apostas (seja “betting your beliefs” ou Kelly criterion) recomendaria distribuir nosso rico dinheirinho de acordo com as probabilidades.
A chance de uma startup ganhar de um oligopólio no Brasil pode ser muito menor que 25%? Claro que pode. Mas startups não apenas criam produtos para competir com os incumbentes. Muitas vezes elas estão competindo em novos mercados (produtos digitais, software para pequenas empresas, marketplaces em segmentos fragmentados, etc).
Ou seja, investir em startups é uma aposta com três bilhetes: um para competir e derrotar os oligopólios, um para competir e ser vendida para os oligopólios e outro para competir em novos mercados.
Nos parece que mesmo em uma alocação de portfólio 95/5 (alocação típica de mercados maduros como o americano, onde 95% do dinheiro é investido em classes de ativos tradicionais e 5% em venture capital), o risco está mais do que ajustado ao retorno.
Mito #6: Investidores brasileiros não estão dispostos a investir em venture capital — PARCIALMENTE VERDADEIRO/FALSO
Tomando um pouco do nosso próprio veneno, é interessante analisar o apetite de investidores brasileiros por investimentos em startups (diretamente ou através de um fundo de venture capital) pela ótica da curva de adoção de novos produtos.
Dinheiro, no caso capital, é um produto como outro qualquer, e como tal, temos que olhar para o cliente (investidor) sob a ótica da tríade de qualquer proposta de valor: os clientes buscam um valor funcional no produto que compram (um carro tem que transportar, um dinheiro tem que render juros), buscam um valor emocional no produto que usam (o carro tem que me fazer sentir bem e poderoso, o dinheiro tem que me fazer sentir bem e poderoso) e buscam um valor social após usarem o produto (o carro tem que me fazer parecer rico, o dinheiro tem que me fazer parecer exclusivo).
E é justamente na satisfação dessa tríade que nossa indústria ainda não entrega um produto que a grande maioria de investidores busca. Em Crossing the Chasm, Geoffrey oferece talvez o modelo mais adotado para entender a difusão de novos produtos tecnológicos.
Ele argumenta que os primeiros compradores de um novo produto são os Innovators, aqueles que gostam de experimentar o novo ou conhecem as condições de mercado tão bem que estão ávidos para experimentar. No caso das startups, tratam-se dos próprios empreendedores que investem em outros empreendedores e investidores institucionais estrangeiros.
Na sequência chegam os Early Adopters, que enxergam as vantagens estratégicas do novo mercado, assim como o potencial de alto retorno. É um público demandante, mas que ajuda a validar, testar e provar o produto. Falamos aqui de grandes empresas e/ou family offices estratégicos que investem para conhecerem mais dessa nova realidade e construírem uma nova rede de relacionamentos. E então aparece o Chasm, ou abismo, ponto que estamos atualmente no mercado de venture capital no Brasil: o grande mercado dos Pragmatists e Late Majority ainda não está convencido.
Para os Pragmatists, o investimento tem que ser justificado apenas na base da análise do custo/benefício. Vantagem competitiva para eles não é um conceito qualitativo, mas um número. Eles precisam da referência dos formadores de opinião para seguirem adiante. Já o Late Majority, ou conservadores, só irão entrar no mercado quando o segmento já estiver maduro e “bug free”.
Além do claro potencial de retorno financeiro, acreditamos que os seguintes fatores qualitativos podem colaborar para um crescente interesse no investimento em startups e fundos de venture capital:
- Conhecimento: aprender em primeira mão as tecnologias e práticas que vão prevalecer no ambiente social de negócios;
- Relacionamento: estar em contato com futuros talentos que se tornarão ou empreendedores ou executivos;
- Impacto: startups são a maior fonte de geração de empregos, estão criando uma sociedade com custo marginal zero e formam uma geração de homens/mulheres de negócio que competem globalmente do dia zero.
O papel do inovador (empreendedores e VCs) não é reclamar que os clientes (investidores) não aparecem. Mas sim fazer com que eles enxerguem e vivenciem os benefícios desse mundo novo.
Mas então, vale a pena investir em empreendedores? Podemos esperar que a maior parte das fortunas brasileiras virá do empreendedorismo em um futuro próximo?
Para responder essa pergunta, nos apoiamos em Bill Barnett, que na sua palestra Where Great Companies — and Leaders — Come From aponta que analisando o potencial de uma grande inovação, invariavelmente nos deparamos com quatro cenários:
Quando todo mundo concorda com o potencial de uma oportunidade (Consensus) duas coisas podem acontecer: ou não se ganha tanto dinheiro assim porque todos fizeram a mesma aposta (Right), ou todo mundo perde dinheiro (Wrong). Mas pelo menos todo mundo perdeu junto.
Já quando a maioria não concorda com o potencial (Non-consensus), duas outras coisas podem acontecer: os poucos que acreditaram ganham muito dinheiro e são taxados de gênios (Right) ou só eles perdem dinheiro (Wrong) e são os trouxas da história.
A única coisa que sabemos, é que por enquanto, somos non-consensus :)