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A Arte Liberal

Ao conversar sobre acontecimentos recentes e do passado, dois aspectos presentes na maior parte das pessoas ainda me surpreendem:(i) sensação de que o tempo passa muito rápido e perdemos a noção de temporalidade das coisas, e(ii) que a maior parte destas pessoas, alimentam uma visão pessimista do mundo.
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A Arte Liberal
A Arte Liberal

Ao conversar sobre acontecimentos recentes e do passado, dois aspectos presentes na maior parte das pessoas ainda me surpreendem:

(i) sensação de que o tempo passa muito rápido e perdemos a noção de temporalidade das coisas, e

(ii) que a maior parte destas pessoas, alimentam uma visão pessimista do mundo.

Em rodas de amigos, é comum presenciarmos conversas carregadas de medo e receio do futuro, inundadas de nostalgia e desilusões em relação aos caminhos da humanidade.

Uma boa parte das pessoas compartilham da impressão de que o mundo e a vida vêm piorando com aumento da violência urbana e intolerância entre as pessoas, aumento da corrupção, aumento do desemprego, afastamento dos governos dos anseios e necessidades da população, fanatismos políticos e religiosos, desastres ecológicos atribuídos a ação do homem e destruição da natureza.

Me chama a atenção o fato das pessoas não pararem para ver como a humanidade tem evoluído e se beneficiado de uma elevação importante de padrão de vida e poder aquisitivo no último século, em especial nas últimas 4–5 décadas. Dependendo da base de dados que escolhermos, e da forma como ela for corrigida pela inflação, um cidadão médio hoje tem um poder aquisitivo entre 10 a 20 vezes maior do que tinha em 1900. Isso significa que ele pode consumir 20 vezes mais bens e serviços do que podia no passado.

Evolução da renda de 1800 a 2015 via Gapminder

Se considerarmos as melhorias conquistadas para produção de insumos como aço, vidros, eletrônicos, medicamentos, alimentos, vestimentas, entre outros, o padrão de vida das pessoas pode ter sofrido elevação na ordem de 100 vezes em regiões como Hong Kong e Singapura por exemplo, em um espaço de tempo bem mais curto — de 1950 para cá. Até 2100 o ser humano ainda poderá conquistar novos ganhos de qualidade de vida de mais 10–20 vezes.

Bilhões de pessoas passaram a ter acesso a aquecimento a gás, carros, vacinas, encanamento e saneamento básico, mobilidade urbana e viagens baratas, igualdade de gênero, redução da mortalidade infantil, nutrição adequada, maior expectativa de vida, escolaridade para os filhos, acesso à informação, direito a voto e respeito. A desigualdade global está caindo rapidamente — a proporção da população mundial com renda inferior a US$ 1,25 por dia, corrigida pela inflação, passou de 65% em 1960 para 21% hoje.

Foi justamente essa disparidade de percepções sobre o alcance e consequências do avanço da humanidade no século XX e pessimismo exagerado começaram a me impressionar demais. Ao ler “The Evolution of Everything” descobri que de fato, existem duas maneiras de contar a história do século XX. Podemos: elencar uma série de guerras, revoluções, epidemias e crises financeiras; ou apontar para o aumento gradual, mas inexorável da qualidade de vida da população do planeta, com o inchaço da renda, o domínio de doenças antes fatais, o desaparecimento de parasitas, a crescente persistência da paz, o alongamento da vida, os avanços tecnológicos, etc.

Matt Ridley faz uma análise bastante ousada: as más notícias são provocadas pelo homem, de cima para baixo e são impostas à história. As boas notícias vem ao acaso, acidentalmente, não planejadas. Emergem e evoluem gradualmente. As coisas que vão mal são, em grande parte, pretendidas. Para exemplificar, vamos considerar duas listas de acontecimentos históricos. Primeira lista: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, o Tratado de Versalhes, a Grande Depressão, os regimes nazista e fascista, a Segunda Guerra Mundial, a Revolução Chinesa, a crise financeira de 2008. Todos foram resultados da tomada de decisão de cima para baixo, por um número relativamente pequeno de pessoas que tentam implementar planos deliberados — políticos, bancos centrais, revolucionários e assim por diante.

Passando para a segunda lista de acontecimentos temos: o crescimento da renda global, o desaparecimento de doenças infecciosas, a saída de sete bilhões de pessoas da miséria, a limpeza dos rios e do ar; a cura de vários tipos de câncer, o reflorestamento de grande parte do mundo rico, a Internet, o uso de créditos de telefonia móvel como meio de pagamento, o uso de impressões digitais para identificação de crimes. Cada um desses foram fenômenos inesperados e ao acaso, descobertos e desenvolvidos por milhões de pessoas que não pretendiam causar grandes mudanças.

Sir David Butler — cientista político — diz que todas as coisas interessantes são incrementais e poucas das principais mudanças nas estatísticas dos padrões de vida humana nos últimos cinquenta anos foram o resultado da ação do governo. As coisas boas são graduais; coisas ruins são repentinas. Acima de tudo, as coisas boas evoluem.

Para os brasileiros, o grande incômodo atualmente reside na classe política e no sistema político. A defesa do status quo e a desconfiança preventiva do novo são dia a dia desenhados e reforçados com o intuito de frustrar todas as tentativas de inovação. Por que as experiências dos cidadãos comuns e de empresas com o Estado precisam ser tão desastrosas? Por que as consultas precisam de meses para serem respondidas? Por que os formulários são tão mal concebidos? Por que as regras são tão opacas? Por que a legislação deve ser tão inflexível? A oportunidade apresentada pela revolução digital aos serviços públicos é enorme.

Recentemente, conversando com Marcelo Lombardo — fundador da Omie (empresa do portfólio do Astella Journey II) — me deparei com a seguinte realidade: nos últimos 20 anos o governo brasileiro (municipal, estadual e federal) publicou 5,4 milhões de alterações nas regras fiscais e tributárias. São mais ou menos 900 publicações por dia útil.

Qual empresa, escritório de contabilidade ou advogado está preparado para processar e se preparar para reagir a esse volume gigantesco de alterações e informações? São exemplos como esse que formam o conjunto enorme de absurdos que gentilmente nomeamos de “Peso Brasil” ou “Custo Brasil”.

É evidente que o impacto das tecnologias digitais na prática e na produtividade do governo ainda é incipiente. Mas a sociedade não deixa de evoluir e de encontrar suas próprias saídas por conta disso. Voltando ao nosso exemplo, até o final do ano de 2017, a Omie vai lançar uma evolução do seu produto capaz de mapear todas essas regras, automatizando as classificações e determinando as alíquotas adequadas para a emissão de notas fiscais, para que seus milhares de clientes se adequem às regras e paguem os impostos corretos.

Aos ativistas de plantão que acham que a humanidade retrocede e que a tecnologia tira emprego das pessoas, esse é exemplo crasso do contrário. E como as empresas vem literalmente “se virando” até agora? Pagando mais impostos que precisam! É economicamente inviável e improvável que uma equipe de humanos consiga prevenir todas as contingências oriundas de tantas alterações e manipulações nas regras nessa magnitude. Neste caso, para evitar multas e contingências, o contador e as equipes internas optam pelo excesso de cautela. E o pior é que existe uma enormidade de exemplos semelhantes a esse.

Ao longo do processo evolutivo da humanidade e das revoluções industriais sempre nos deparamos com a extinção de profissões — artesãos, ourives, costureiras, cobradores, garimpeiros, agricultores e tantos outros. E nós sempre presenciamos os homens se adaptando, evoluindo e gozando de melhorias.

A vida e os seres vivos evoluem. Evolução é a principal forma de mudança na moral, economia, cultura, linguagem, tecnologia, cidades, empresas, educação, história, direito, governo, religião, dinheiro e sociedade. A história se faz por uma série incessante de mudanças incrementais através de tentativas e erros, com a inovação impulsionada pela construção e recombinação de ideias.

Nós acreditamos que tudo evolui. É uma aposta justa que o século XXI será dominado por choques de más notícias, mas experimentará o progresso advindo, na maior parte das vezes, de forma invisível. Alterações incrementais, inexoráveis ​​e inevitáveis ​​continuarão a nos trazer melhorias materiais e espirituais que tornarão a vida das próximas gerações bem mais saudável, feliz, livre, igualitária e quase que inteiramente como um subproduto do acaso da evolução cultural e econômica.

Nas próximas semanas vou falar da evolução da Arte Liberal. A arte de investir, contando como criamos modelos mentais, quais são as disciplinas que nos norteiam e como tomamos decisões. Vou trazer exemplos de como inovação, tecnologia e empreendedorismo estão no cerne dos processos evolutivos da sociedade e humanidade.

Laura Constantini

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Laura Constantini

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