Ao se deparar com o desafio de pensar como trabalhar sistematicamente com dados no setor de venture capital, um perdido analista se perguntou: onde começar?
Após uma corrida para clarear a mente às 6 horas da manhã, respirou fundo, e lembrou que seria importante entender o contexto primeiro, tentando separar o que seria fundamental do que seria circunstancial. Que dados teríamos para descrever o jogo de venture capital? Conversando com vários indivíduos de pontos de vista diferentes, somando aos estudos sobre o tópico, rascunhou:
Fundamentais:
- o setor é descrito (ou regido) por uma lei de potência, ou seja, poucos casos (startups, países, centros de inovação) capturam uma parte desproporcional do valor criado;
- Segue um processo de financiamento por estágios;
- Nível mais alto de incertezas considerando todas as classes de ativos financeiros, apesar de ter a maior persistência de retorno dentre fundos na mesma perspectiva.
Circunstancial (ou cíclico): valuations, expectativas, modelos de negócios, estratégias corporativas, narrativas.
Semanas se passam, meses se amontoam de pensamentos, mais estudos e conversas sobre o contexto descrito, quando o pensativo analista se lembra do comentário de um querido mentor: “eu analiso a energia necessária para a jornada do founder pelo captable por estágio de rodada”. Isso ressaltava a necessidade de se olhar para venture capital com mais de uma lente, dado que a matemática é contra-intuitiva nesse setor. Então ele realizou: o terror da faculdade de engenharia tinha voltado, teria que estudar a perspectiva da física para o problema. No meio da infinidade de conceitos físicos, descobriu os sistemas complexos adaptativos (SCA), que estavam diretamente ligados ao cerne da busca das startups: como escalar?
O processo iterativo continua, com muitas aulas e estudos sobre SCA, com destaque para o livro clássico e legível, Scale, do Prof. Geoffrey West. Ao ter mais clareza sobre o conceito, o alucinado analista escolhe a sua definição mais objetiva:
- Sistema: é um conjunto de elementos interdependentes de modo a formar um todo organizado;
- Complexo: o sistema exibe comportamentos aleatórios e padronizados ao longo do tempo;
- Adaptativo: a interação entre os elementos e com outros sistemas gera feedbacks que se repetem, fazendo com que o próprio sistema se adapte ao longo da sua existência.
Dentre as principais características dos SCAs (agregação, regras de decisão adaptativas, feedback loops, não linearidade, criticalidade, sensibilidade às condições iniciais), uma fez o dia do extasiado analista: auto-similaridade (também descrita como fractalidade, ou invariantes de escala). Por qual extraordinária razão? Ela é a expressão matemática de uma lei de potência, por sinalizar as características, dimensões, variáveis que são parecidas independentemente da escala do sistema estudado. Em termos práticos, isso representaria uma possibilidade de melhores previsões de escalabilidade das startups durante a jornada. Sofrendo de um ataque de viés de confirmação, ficou feliz em saber que não estava sozinho nesse raciocínio, além de verificar que um dos seus ídolos tem usado o modelo mental também.
Com o contexto mais claro, e com uma hipótese de framework para trabalhar, o stressado analista seguindo a direção do modelo mental, buscando agora mais dados para alimentar o seu apetite, derivou outras dimensões que seriam importantes entender:
Para quem os insights desse modelo sistemático de análise de dados serão úteis:
- Os gestores do fundo;
- Os investidores do fundo;
- Os founders
Como serão úteis?
- Para tomar melhores decisões em 3 níveis:
- Mercado de venture capital (investimentos, pre money valuations, tração, diluição, captables, riscos etc.);
- Startups (métricas operacionais dos modelos de negócios);
- Founders (people analytics).
Em meio ao êxtase artificial de achar que está no caminho lógico de um framework, vislumbrou visualmente nas seguintes camadas:
O exaurido analista, lembrando o fundo que o inspirou, deslumbrou que a partir do entendimento melhor do todo, seria mais fácil fundamentar o porquê de algumas decisões estratégicas, como foco nos estágios iniciais das startups (early stage) e em alguns modelos de negócios (SaaS, marketplace, consumer). Além disso, esclareceu sobre algumas das limitações, iniciais e fundamentais, que seriam os obstáculos para a viagem de se trabalhar com dados:
- Todos os modelos estão errados em algum nível, mas isso não significa que não devem ser usados, e sim que a busca é pelos mais úteis;
- Vieses comportamentais estão em toda parte, inclusive nos dados;
- Qualidade de dados custa dinheiro;
- Análises quantitativas andam juntas com as qualitativas.
Após um debate intenso com os sócios do fundo, assustados com a vontade do voluntarioso analista para encarar esse desafio, partiram juntos para mais uma saga sem fim...
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Um prazer escrever esse artigo com caráter mais institucional para celebrar os primeiros meses de Astella. A narrativa serve para ajudar no entendimento da nossa base de dados proprietária, The Plot, e como chegamos nela a partir do guidance e estudos iniciais dos sócios. Algumas notas extras:
-> Para ajudar nos debates, temos 2 princípios fundamentais:
- Honestidade intelectual;
- Busca constante pela simplicidade, apesar da complexidade do assunto.
-> Um princípio circunstancial: começaremos pelas análises descritivas, antes de testarmos as preditivas.
- No mundo dos dados, tem bastante a ser feito ainda na parte descritiva das análises, apesar de toda a empolgação com as preditivas.
-> People analytics tem um potencial incrível, apesar de ainda ser o mais imaturo no The Plot;
-> Uma hipótese bem pensada não é garantia de sucesso, mas faz parte do processo de quem sonha estar começando algo que pode se tornar uma vantagem competitiva duradoura: data analytics para venture capital!
Enfim, estamos bem animados com a evolução do The Plot e como ele já tem sido usado no dia a dia, mas cientes que o estamos no início. Certos, também, de qual é a variável mais fundamental desse processo constante e evolutivo do trabalho com dados: tempo, somente tempo.