Desde que a crise do Covid começou, nós tomamos duas decisões importantes: a primeira foi de nos organizar para realmente fazer diferença na vida das pessoas ao nosso redor nesse momento e a segunda foi a constatação de que temos um ativo muito interessante nas mãos e que caberia a nós alavancarmos. Por mais que sejamos investidores, esse ativo não é dinheiro. Estamos falando do network que construímos ao redor da Astella durante todos esses anos. Depois de tanto ler, discutir, conversar e tornar as pessoas acessíveis umas às outras para ventilar ideias, segue nosso playbook para enfrentar o Covid. A idéia é ajudar os empreendedores a endereçar três desafios: (i) gestão de colaboradores remoto, (ii) controle e gestão de riscos e (iii) mapeamento de oportunidades.
PRIMEIRO DESAFIO: VIRAMOS REMOTOS
Acredito que a maior parte das empresas já passou pela primeira fase de garantir que seus colaboradores tenham condições de trabalhar de casa mas é sempre bom garantir suporte técnico e recursos para manutenção do bom andamento das atividades. A maior parte das empresas que conversamos relatou que vários times apresentaram aumento da produtividade seja pelo evento da novidade de estar em casa seja pela otimização do tempo. Mas talvez essa realidade mude com o passar do tempo dado que as famílias com crianças passam por demandas maiores de entreter e garantir que o homeschooling funcione e que as pessoas tenham crescente preocupação com a saúde de familiares e com a manutenção de suas casas.
O seu time está preocupado e talvez apavorado. Você precisa ser claro e honesto. Aumento do nível de incerteza atrelado ao isolamento mexe muito com a moral e stress do time. Crie canais de comunicação entre os times, intensifique as conversas individuais e os anúncios coletivos. Fale com mais frequência com seu time nem que seja através de podcasts e vídeos gravados do seu celular.
Mostre ao seu time a sua real situação e como você está avaliando os riscos e discuta as alternativas. Engaje, principalmente os líderes, a pensar em formas de reduzir custos. Mostre que eles podem ser parte da solução dos seus problemas.
Além disso, com o prolongamento da crise, pense em garantir ajuda extra para trazer equilíbrio físico e mental a seus colaboradores recomendando e disponibilizando acesso às plataformas de saúde física e mental. Seguem algumas sugestões que já passaram por nós mas a lista não é, de forma alguma, excludente:
Terapia online: Vittude.com, Zenklub.com.br, Falafreud.com
Assistente virtual: Vitalk.com.br, Youper.com
Ferramenta para equilibrio mental: Setta.co
Ferramenta para equilibrio fisico: gowkt.com
Se você tiver que fazer cortes, faça o mais rápido possível e de uma vez só. Não tem nada mais desmoralizante que várias ondas de demissão.
Tenha um playbook humano para desligar as pessoas. No futuro, você vai precisar delas. Seja justo e generoso para que elas possam enfrentar esse momento de crise da melhor maneira possível.
Provavelmente você vai parar de contratar nas próximas semanas. Seja elegante com quem estava no seu pipe e avise do novo timing.
Antes, durante e depois…
Você precisa de pessoas boas e motivadas para superar os desafios e para isso, você vai precisar garantir remuneração adequada para os que estiverem engajados, trazendo soluções criativas e resultados positivos. Você pode e deve pensar em stock option. Mostre que o momento requer cuidado extremo com o caixa mas que você admira o trabalho dessas pessoas, que você gostaria de poder continuar contando com elas e que a crise vai passar!!
Aproveite o momento para fortalecer sua cultura
Não perca essa chance! Mesmo nos momentos de crise todo mundo precisa performar. Isso não é negociável. Suas metas antigas não são factíveis. Crie metas novas, principalmente para os meses de pico da crise, e faça com que seu time se comprometa com os resultados. Para isso:
- Explique o que você está fazendo e porque
- Comunique de forma clara as novas metas
- Deixe seu dashboard em um local visível para todos
- Revise suas projeções e metas de forma realista. Para isso, siga as dicas que daremos logo mais.
SEGUNDO DESAFIO: ACESSE SEUS RISCOS E ENTENDA COMO REDUZI-LOS
Nos momentos de crise a primeira coisa que desaparece são os recursos financeiros. Garantir a sobrevivência é fundamental e para isso você precisa pensar em todas as formas de conservar seus caixa (aumento do seu runway) e se preparar para período de redução de receitas e aumento de cancelamentos. Mas Lembre-se que todos — clientes, colaboradores, investidores e a comunidade em geral — estão na mesma situação. Faça esse movimento de forma leve e respeitosa com todos.
Deixe o seu playbook pronto para não ter dúvidas do que fazer na hora. O maior ativo das startups são as pessoas. Deixá-las ir embora ou melhor, demiti-las é muito difícil, ainda mais em época de crise onde sabemos que o prognóstico é complicado. Além disso, todo empreendedor é otimista por natureza. Então, tomar medidas duras é contra-intuitivo.
Construir um playbook passa por alguns passos:
(i) entender os indicadores que precisam ser acompanhados — leading indicators — aqueles que sinalizam alguma tendência importante mas que permite tempo para tomada de decisão. O mais comum é inadimplência e atraso de pagamento uma vez que antecipam churn. Outros menos óbvios passam por alongamento de ciclo de vendas e queda de taxa de conversão, ou ainda redução da frequência e profundidade de uso do produto por exemplo.
(ii) Não conte mais com seus históricos de taxa de conversão e faça um exercício mais simples no começo. Você vai precisar entender o padrão de comportamento dos seus clientes. Você pode começar a simular seu burn a partir de cortes na sua receita — MRR.
(iii) crie 3 cenários para ir reagindo ao que os indicadores estão mostrando e tome as ações de acordo com o planejado em cada cenário. Em geral, estamos recomendando que se pense em cenários onde sua receita caia 15%, 50% e 75%.
(iv) Se o importante é garantir sobrevivência, pense em quais ações você precisa tomar para alcançar um runway de pelo menos 18 meses para cada cenário
(v) estabeleça thresholds para desencadeamento de ações — triggers para tomada de decisões — se você sentir que está caminhando para os cenários que você desenvolveu com o seu time. Crie um IFTTT com o que precisa ser feito se os indicadores que você acompanha estiverem indicando um cenário pior.
(vi) Você pode até criar um comitê de acompanhamento da crise para que mais pessoas te ajudem a avaliar as situações e ir tomando as decisões cabíveis.
Encare novos desafios de vendas: esqueça seus playbooks antigos
Em momentos de crise seus clientes se comportam de forma diferente o que significa que você vai ter que novamente mapear o seu ICP (Ideal Customer Profile). Nada do que você construiu em termos de script de vendas e etapas do funil serve agora. Procure gravar os calls de vendas para entender o mindset de seus clientes. Mapeie as objeções e trabalhe com sua equipe de vendas para adequar seu discurso e reforçar detalhes de sua proposta de valor que são mais condizentes ao momento.
Para os segmentos B2B, tenha em mente que o foco das empresas mudou. Antes da crise, a maior parte das empresas procurava por soluções que alavanque vendas. Com a crise, o principal objetivo passou a ser cortar custos. Mesmo que seu produto seja uma solução focada em vendas e marketing, entenda como você pode se posicionar em relação aos seus concorrentes. Falaremos sobre isso logo mais.
Reveja todos seus canais de geração de leads e entenda o retorno de cada um deles diante do novo cenário. No curto prazo, como provavelmente seu ciclo de vendas vai aumentar, você poderá criar estratégias para nutrir seus leads por mais tempo mas lembre-se que no médio prazo, e quando a economia voltar para níveis de atividade maiores, esse cortes vão limitar seu crescimento.
Mergulhe nos números e entenda novos padrões de comportamento e novos canais de comunicação com seus clientes que poderão surgir durante a crise. Entenda qual seu novo padrão de LTV/CAC. O churn provavelmente vai subir, portanto seu LTV será menor e você vai precisar necessariamente adequar seu custo de aquisição de clientes (CAC). Não se esqueça, retome estratégia lá do início da sua jornada — redobre atenção aos seus clientes. Entenda seus receios, objeções e novos objetivos e ajude.
Vendedores tem que ser grandes conselheiros. Durante a crise é preciso reforçar esse papel e sugerir que a conversa comece com perguntas para criar empatia, entender quais são os desafios do momento e tentar ajudar. Para que a ajuda seja efetiva para os dois lados, é importante rever a proposta de valor do seu produto, a luz do novo momento, para enfatizar os atributos que fazem mais sentido agora.
Deixar um legado de boas impressões ao ajudar o seu cliente, é perfeitamente viável. A realidade de seus clientes também mudou e para ajudá-lo você terá que entender. É fato que seu ciclo de vendas vai aumentar. Entenda como nutrir seu cliente, ajudando-o a passar pela crise com mais facilidade. Mesmo que não reverte em ganhos imediatamente, tenho certeza que seu posicionamento e marca se fortaleceram.
Estude os seus cohorts de acordo com a indústria ou demografia de atuação do seu produto. Entenda o impacto do momento na vida delas. Essa é a hora de mostrar que o seu time de customer success realmente entrega sucesso para o cliente.
TERCEIRO DESAFIO: MAPEAMENTO DE OPORTUNIDADES
Para o bem ou para o mal, as crises são um bom teste para o seu produto. Mais uma vez entenda como se posicionar e como tornar um must have. Você precisa provar que tem um produto ou serviço muito melhor do que as outras alternativas existentes. Converse com seus melhores clientes entenda como tem sido o engajamento com seu produto — quais funcionalidades eles gostam, o que não funciona e o que está faltando. Compare o comportamento dos clientes no momento da crise e anteriormente. Levante um roadmap e melhorias no atendimento — Customer Success — que vão trazer melhoras significativas na experiência do seu cliente.
Atue de acordo com o seu runway
Se de acordo com os seus cenários, você tem mais de 18 meses de caixa no banco, mantenha a disciplina e comece a pensar em como aproveitar as oportunidades de mercado. Existem duas arbitragens importantes que você pode alavancar contra seus competidores: (i) preço e (ii) runway.
Preço: aproveite que nesse momento o mercado está mais preocupado em reduzir custos e vá atrás da base de clientes de competidores maiores e mais caros. É hora de tirar cliente dos incumbents americanos — hubspot, SAP, Oracle, Salesforce — que cobram em dólar.
Runway: entenda qual a situação de funding de seus competidores menores. Se eles tem runway menor do que 12 meses, compre a base de clientes dos seus competidores. Como? Ofereça seu produto de graça por um período maior. Se ele não tem runway, ele não vai poder cobrir a oferta.
Velocidade é seu super trunfo.