A Astella tem uma longa jornada investindo em negócios de consumo, que tem representado cerca de 35% de nossas alocações ao longo dos anos.
Desde 2017 venho interagindo ativamente com uma quantidade significativa de startups no setor de consumo, em especial as chamadas DNVBs e tenho o privilégio de conviver com os empreendedores e equipes das empresas de consumo nativas digitais que já investimos.
Até pouco tempo atrás as DNVBs viveram a alta do ciclo junto ao mercado de Venture Capital, mas no final de 2019 ele começou a virar.
Primeiro o IPO da Casper, a marca de colchões D2C, que revelou um negócio pior que os incumbentes norte-americanos do setor naquele momento, depois tivemos o encerramento da Brandless, as dificuldades da Away, e por aí foi.
Nessas horas a imprensa especializada volta seu canhão, reforçando aspectos negativos e criando uma sensação de que o momento passou.
Analisando os dados do Crunchbase, desde 2015, as DNVBs levantaram USD 15,6 bilhões de dólares em recursos de Venture Capital ao redor do mundo, em um total de 2100 empresas cadastradas, portanto uma média de USD 7,4 milhões levantados por empresa (Nota: exclui a Juul da análise, que está na base do Crunchbase mas não considero ela uma DNVB no estrito senso).
Outro padrão interessante que começa a se formar é o que parece ser um movimento alternado na criação de empresas D2C ano após ano, onde um período com maior volume é seguido por outro menos intenso e que tende a crescer novamente nos 12 meses seguintes, ainda que em patamar mais baixo.
Pelo movimento que estamos vendo nesse início de 2021, e pelo forte apetite de players consolidadores de marcas que seguem o modelo da Thrasio, podemos imaginar que esse padrão siga se repetindo.
É o fenômeno Tostines aplicado ao empreendedorismo 😀. Tem menos negócios em um setor porque tem menos recursos para financiar a jornada ou tem menos recursos por que tem um número menor de oportunidades?
Há também a pandemia.
Com ela os consumidores adotaram de maneira mais intensa o comércio online, o que ampliou a demanda orgânica.
Também foram criadas novas oportunidades através da mídia de performance. Em um primeiro momento os algoritmos derrubam preços em meados de março 2020 como uma reação natural das máquinas ao forte momento de instabilidade, mas com isso também criaram uma oportunidade de aquisição naquele curto espaço de tempo.
Com o comércio físico fechado, a venda via redes sociais e grupos de mensagens ganha novo significado e as plataformas de logística tornam possível ampliar o mercado abordável antes restrito a um determinado raio geográfico em torno das lojas.
Os formatos de descoberta das redes sociais ganham mais relevância na busca por se vender mais, para um público que começa a bater nas portas do novo vendedor virtual. O resultado disso tudo pode ser medido pelo ano recorde de receita do Google e Facebook em plena pandemia.
Ao mesmo tempo surgiram nuvens negras nas cadeias de produção de materiais e insumos, criando rupturas de inúmeros itens no mercado. Algumas delas persistem.
Tudo isso gerou grande questionamento por parte de investidores, o que é parte do ciclo de transformação para os negócios de consumo nativos digitais.
Na minha opinião, a pergunta não é SE devemos investir em DNVBs, mas sim QUANDO investir.
Nesse sentido, aqui vão alguns pontos que considero críticos na avaliação de quando investir em uma DNVB ao longo da jornada de Venture Capital, somados a todos aqueles que mencionei no post de 2018 .
Lifestyle Business ou Sonho Grande?
O mundo digital proporciona acesso democrático às plataformas de conquista de clientes através de mídia programática.
São formatos que não constroem marca nem barreiras de entrada, mas que tornam possível a aquisição por parte dos novos entrantes e permitem a eles competir de igual para igual (ou quem sabe até melhor) com os incumbentes na aquisição de topo de funil.
Novas marcas se viabilizam muito mais facilmente com a explosão das opções de fornecedores de ODM (Original Design Manufacturing), aliadas aos programas de fullfilment dos grandes marketplaces como Amazon e Mercado Livre. Esses fatores somados permitem o desenvolvimento de novos produtos com logística mais simples e acessível para novos entrantes, reduzindo até mesmo as barreiras físicas de lançamento de novos produtos.
A questão é entender quem apenas aproveita a oportunidade, e quem realmente está construindo plataformas com visão de longo prazo.
Margem Bruta
Para um VC, a opção de investir em consumo é sempre comparada com negócios puros de software.
Não é uma comparação fácil pois as margens em D2C variam bastante de acordo com cada segmento. No Brasil, enquanto alguns operam com margens brutas na faixa de 60–65% e potencial chegar em 75% ou mais, outros negócios comandam no máximo margens de 35–45%.
Não preciso dizer qual tipo de negócio um VC vai preferir na hora de comparar com software que tem custos de transação marginais.
O que é interessante no modelo de D2C, é que uma DNVB busca margens significativamente maiores do que a dos fabricantes de produtos concorrentes tradicionais, porém menores do que a somatória das margens em cascata da cadeia tradicional, entregando uma vantagem financeira ao consumidor.
Fornecedores
Existem cadeias de suprimentos que são naturalmente favoráveis à entrada de novas empresas.
Entretanto, setores cujos fornecedores favorecem o alto volume concentrado nos grandes compradores tradicionais tendem a não oferecer um bom cenário.
Tem também a equação Preço+Qualidade+Ética.
Em casos onde os principais fornecedores estão amarrados aos grandes fabricantes, com processos robustos de qualidade, compras e governança, desconfio que os menores só conseguem escolher dois itens nesta fórmula.
Esse é um tema que pouco a pouco começa a ser transformado, com novas tecnologias e uma sofisticação cada vez mais impressionante das cadeias de produção de países asiáticos, mas que ainda tem barreiras em especial na quantidade mínima dos pedidos.
Logística
Produtos com logística mais favorável, com alto valor agregado, baixo peso ou pequenas dimensões são obviamente menos impactados por questões logísticas.
No D2C a velocidade e qualidade da experiência de entrega são cruciais na avaliação e recomendação dos consumidores.
Há também categorias cuja quantidade de devoluções é muito pequena pela natureza do produto, o que evita uma pressão adicional sobre as margens.
Soluções melhores que as existentes
Tradicionalmente o Brasil é palco de grandes empresas de consumo nascidas e desenvolvidas por aqui, em inúmeros setores, desde sempre.
Kolynos, Yoki, Havaianas, Hering, Arisco, Brahma, Guaraná Antarctica, Renner, Sadia, O Boticário, Natura. A lista é longa. O consumidor brasileiro é aberto.
Mas é fundamental que as marcas nativas digitais tenham uma proposta de valor e uma experiência para os clientes melhores que as incumbentes.
Senão a conquista dificilmente irá além dos inovadores da primeira hora.
Arbitragens digitais
A maioria das DNVBs podem ser consideradas “tech-enabled”, que usam a tecnologia para conquistar duas arbitragens do mundo digital, a de CAC e LTV.
O custo de aquisição de clientes na fase anterior ao abismo que precede o estágio de massa tende a ser interessante porque as DNVBs dominam canais digitais de maneira mais intensa do que os incumbentes e porque há uma predisposição dos “early-adopters”.
O desafio é entender como isso se comporta no caminho para o consumo de massa.
Já o LTV é o item crítico na análise de uma empresa D2C e que vai definir o Product Market Fit.
Sem recorrência, sem rodada de VC (pelo menos na Astella 😀).
Com o tempo e o acesso a recursos, a tecnologia pode ir ganhando espaço e preponderância em algumas DNVBs, e passa a fazer parte de inúmeros momentos da jornada. Desde o desenvolvimento de produtos, otimização da operação e experiência do consumidor.
Velocidade + Eficiência
As guerras no mundo de CPG costumam ser embates no estilo Davi vs. Golias.
As gigantes do setor não são gigantes à toa. Eles dominam seus canais de distribuição, marketing, P&D e Supply Chain.
Para uma DNVB, a velocidade é fundamental nesse embate.
Acreditamos que a fórmula de Rigonatti: 3x3x2x2x2, vale para o mundo do consumo e nossas investidas são a prova de que é possível construir negócios que saem de zero a 100 milhões de receita em 5 anos (ou menos), com eficiência.
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Como escrevi acima, a dúvida não é SE devemos investir em negócios D2C, mas QUANDO investir.
Porque os novos líderes de mercado estão sendo criados a qualquer momento.