Foto de Bud Helisson no Unsplash
Halston: Você estava certo sobre uma coisa. Eu vendi mesmo o meu nome.
Joe: Querido, eu só estava brincando com você sobre isso.
Halston: Não, nós só temos um nome. Só um. E isso é tudo que temos enquanto na terra. E é tudo que deixamos quando partimos. Eu não fui atencioso o suficiente com o meu. Vendi barato. Nem mesmo pensei duas vezes sobre fazer isso.
Joe: Centenas de milhões de dólares não é barato, Halston.
Halston: Mas é, Joe. Sabe como eu sei? Eu pagaria o dobro para tê-lo de volta!
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Eu extrai e traduzi (livremente) essa conversa da ótima serie Halston (Netflix), entre o lendário estilista das décadas de 1970 e 1980 e o seu co-founder criativo, Joe Eula. O que chamou atenção foi o quanto ela exemplifica o complexo debate entre preço e valor. Para o Halston, a venda da empresa, que leva o próprio nome, foi barata, ou seja, o preço recebido foi menor do que o valor dela (aparentemente metade), visão que o Joe não concorda, necessariamente. Quem estaria certo? Difícil dizer, porque valor é relativo por motivos racionais e irracionais. Exemplos:
- Irracional: o fator posse. Segundo os estudos do efeito posse (endowment effect), o simples fato de você possuir algo já induz a achar que tem mais valor que comparáveis. Imagina no caso do Halston, que a empresa tinha o nome dele;
- Racional: conhecimento específico do negócio. Como ele participou do desenvolvimento da empresa, ele se considera mais apto a extrair valor daquela máquina do que compradores de fora, independentemente se do mesmo setor e/ou mais experiência. Não vamos esquecer que o fato dele se considerar não implica em ser verdade, mas segue uma linha racional dada a situação.
Uma coisa que poderia ter ajudado no debate: quais foram os termos de venda (preço) de negócios semelhantes a empresa Halston historicamente e naquele ano para compararmos?
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Conectando esse debate acima com o meu artigo anterior, a discussão sobre valuation e preço nunca é simples. Para o setor de Venture Capital — como, por exemplo, explica Prof. Aswath Damodaran neste artigo — o assunto ainda não é conceitualmente claro, sendo ainda mais complexo o quanto mais cedo é o estágio da empresa. Agora imagine entre founders e VCs, no contexto da rodada de seed. Elucubremos sobre um possível cenário (dentre infinitas possibilidades):
- Founder: está com o checklist da rodada quase completo, planilha linda de crescimento exponencial, fez um pitch deck com o framework da Astella, já sabe como funciona o partners’ meeting da casa, pensou como justificar o ticket mais alto que a mediana da rodada, e treinou como nunca a narrativa da visão da floresta que vai cultivar, a partir dessas primeiras árvores. O motor desse louco vem da coragem de seguir com o sonho de empreender e ser bem-sucedido, apesar de todas as dificuldades e alta taxa de mortalidade das startups;
- VC: estudou o pitch deck para extrair o máximo da conversa, analisou o perfil do time de founders, prepara seus inside views sobre o tema a partir das experiências da casa e opiniões de especialistas do seu network, listou pontos de como pode ajudar no desenvolvimento da startup (fechando algo ou não), e refina a narrativa da casa que recebe 1000 startups por ano, mas que investe em 5 somente. O motor dessa turma vem da coragem de fazer investimentos tão arriscados, esperando a compensação de longo prazo para isso, somado a honra de ajudar os verdadeiros heróis da jornada, apesar de serem eles também empreendedores em um negócio que é regido por uma lei de potência (poucos casos que pagam a conta e justificam o setor).
A dança acima é esperada e ensaiada, e tudo ajuda para discutir a variável mais complicada de se chegar em um acordo: valuation da startup. Logo, uma taxa base de mercado ajuda a ancorar a conversa e discutir as razões (velocidade do crescimento da receita, qualidade dos founders, NPS do produto, TAM, métricas específicas do modelo de negócio, termos contratuais etc...) para o valuation da empresa ser maior/menor do que essa referência. A diferença de percepção de valor deve continuar, mas pelo menos ajuda a chegar em um ponto de partida (preço por ação) para oficializar a relação entre as partes, e todos trabalharem ainda mais alinhados para o desenvolvimento da floresta (criação de valor) após o deal.
Então, vamos aos dados.
Antes das conclusões, algumas informações sobre os dados e a análise:
- A base do Pitchbook tem 82% mais dados de valuation da rodada de seed no período estudado, mesmo só considerando EUA (Deve ser por isso que é bem mais cara);
- Estamos usando América do Sul como proxy do Brasil, pela maior quantidade de dados de pre-money valuation reportados. Como historicamente a região tem mediana menor que do mundo e ser pouco representativa, não usaria o dado de 2021 somente para ancorar o mercado atual. A média simples dos últimos 2 anos deveria ajudar mais: América do Sul: US$4.7M versus US$4.6M do mundo;
Conclusões & Inferências:
- Mais uma vez, o mercado americano, em outro patamar, indicando ser, ao menos, 2x o do mundo considerando a mediana histórica;
- O crescimento anual médio composto da América do Sul tem sido bem maior desde 2010. Fica a dúvida se sustentará para frente. Acredito que não. Pela baixa representatividade é mais provável que a gente siga a precificação de outros lugares, se ajustando —ou ,nesse caso, diminuindo — a velocidade de crescimento;
- Na mesma linha do ticket da rodada, o prêmio de fundraising relativo para o pre-money valuation é bem maior aqui e no mundo do que nos EUA. Em outras palavras: dada a dispersão de dados reportados comparando os grupos do 1º e do último escalão sobre a mediana, um bom trabalho no levantamento de capital faz mais diferença no nosso ecossistema do que no mercado de referência, EUA. Mais uma vez, reforça a importância desse processo para o desenvolvimento da sua startup com a menor diluição possível durante a jornada.
Agora temos uma explicação do framework de taxas base usando o contexto da rodada de seed, para as variáveis de ticket e pre-money valuation. Partindo da premissa que esse investimento em transparência de informações vai melhorar a relação entre founders e investidores, iniciarei uma jornada para atualizar mensalmente os dados de seed e series A. Confiante sobre a utilidade disso para o nosso ecossistema, me empolgo antecipadamente para o que essa troca vai gerar de ideias e hipóteses para buscarmos nos dados indícios de possíveis caminhos a seguir juntos. Até!
Este texto faz parte de uma séria de análises de investimento Venture Capital usando conceitos de Taxa Base. No anterior. analisei e comparei os cheques de investimentos em rodadas Seed no Brasil, Estados Unidos e Mundo.