Photo by Humphrey Muleba on Unsplash
“Um telefone sem a conexão com o outro lado da linha não é um brinquedo ou nem um experimento científico.
É apenas uma das coisas mais inúteis do mundo.
Seu valor depende da conexão com outros telefones e seu valor aumenta a medida que há mais conexões.”
Theodore Vail - Presidente American Telephone and Telegraph Company, 1905
---
Assim como o telefone é inútil sem outros telefones, quaisquer marketplace é inútil se não conectar os participantes da rede. Um aplicativo de táxi seria inútil sem taxis ou viajantes e um aplicativo de delivery online seria dispensável sem os restaurantes ou compradores.
Marketplaces são, por design, produtos de rede. Sua prosperidade ocorre ao conectar dois lados de forma eficiente. Quando o marketplace está apenas começando e os recursos são limitados, inevitavelmente há o dilema: qual lado devo focar e trazer primeiro?
Se formos analisar a trajetória dos marketplaces de sucesso, uma boa resposta para o dilema do ovo da galinha, ou para qual lado começar um marketplace, seria: entender e endereçar os desafios para atrair o “lado difícil”.
Este é um conceito criado pelo Venture Capitalist e líder de Growth do Uber Andrew Chen. A lógica é: Em todos os produtos com efeito de rede, há múltiplos lados (consumidores, vendedores, publicadores de conteúdo, etc). Sempre haverá um destes que gerará valor desproporcional à rede, mesmo que seja no começo, sendo conhecido como "Hard Side”. Ele é responsável por gerar um ganho desproporcional para a rede. Ele aumenta o engajamento e fornece algo único que torna a experiência mais valiosa para todos os usuários.
O lado difícil normalmente é o que tem maior trabalho e mais contribui, assim como também são os mais difíceis de adquirir e reter. Imagine uma rede social: de um lado (normalmente) temos os criadores de conteúdo e do outro, os espectadores. O lado mais díficil de reter e incentivar é justamente o dos "criadores de conteúdo", que torna-se o foco das redes. Usualmente, ao ter conteúdos que engajam, espectadores serão atraídos.Por isso que todas as redes sociais criaram fundos específicos para remunerar os content creators recentemente ( TikTok Creator Fund, YouTube Shorts Fund, Instagram Creator Program, LinkedIn Creator Accelerator Program, Substack writer programs).
Alguns exemplos de Lado Difícil:
- Para a Enjoei, são os vendedores de roupas usadas.
- Para a 99, foram os motoristas.
- Para o Airbnb, são os anfitriões.
- Para o Tinder, foram as pessoas "atraentes".
- Para o LinkedIn, profissionais em ascensão de carreira.
- Para o GetNinjas, foram os provedores de serviços.
- Para o Substack ou Medium, são os escritores.
- E para as redes sociais, são os criadores de conteúdos.
Durante as entrevistas com founders, identificamos que eles implementaram táticas não escaláveis para criar liquidez e uma proposta de valor inicial da rede para gerar valor ao Lado Difícil, como:
- No caso da 99, uma das estratégias foi a de incentivar o lado difícil para uma região, a partir da não cobrança de taxas nesse, assim criando um cluster de liquidez naquela região.
- No caso da Cayena, o foco foi conquistar primeiro os restaurantes através da estratégia "fake-one-side"(ou fingir um dos lados), no qual, para testar a solução e criar liquidez, eles próprios eram os fornecedores. Os founders da Cayena contextualizam sobre esse momento neste podcast.
- Na jornada do GetNinjas, o foco era oferecer uma solução viável primeiro para a demanda. Após receber um request de serviço, a GetNinjas manualmente ia atrás de provedores de serviços.
Vale ressaltar que no início, sempre será preciso uma parcela de "professional services", abordagem manual ou subsídios para criar a experiência e convencer o lado difícil a ingressar na plataforma quando o valor fornecido por ela ainda é baixo. É o momento chave para encontrar o Product-Market Fit chamado de “fazer as coisas que não escalam”.
Reforço que nem sempre achar o lado difícil é óbvio. Um exemplo são os marketplaces de trabalho. É mais fácil encontrar pessoas dispostas a aplicar por vagas do que empresas dispostas a contratar através da plataforma. Nesse caso, por exemplo, os buyers são o lado difícil.
Após o equacionamento do lado difícil, o desafio é mantê-los engajados. Para tal, não é apenas o resultado financeiro que basta. No caso das redes sociais, é uma combinação entre retornos financeiros e feedbacks sociais de status/crescimento. Há casos interessantes como o do Wikipedia, no qual 0.02% dos usuários são responsáveis pela grande parte dos 55 milhões de artigos escritos. Como o Wikipedia é gratuito e não paga os editores, o retorno para essas pessoas está em um sentimento de ajudar e participar de uma comunidade, carinhosamente chamada de Wikepedians. Ou seja, a comunidade é a força motriz de engajamento dessas pessoas.
As 5 grandes perguntas (por Andrew Chen):
- Qual o lado difícil da sua rede e como eles usam o seu produto?
- Qual sua proposta de valor única para o lado difícil ? (e para o fácil também)
- De qual forma eles ouviram da primeira vez sobre sua plataforma?
- À medida que a rede cresce, o lado difícil voltará mais frequentemente e engajado?
- O que sua plataforma tem de especial que os fará permanecer à medida que novos concorrentes surjam?
Para montar um marketplace de sucesso, o ponto de partida é equacionar uma solução que seja proveitosa para aqueles que mais gerarão valor.