A busca pelo equilíbrio entre o meu lado otimista e o pessimista é uma das batalhas que mais me desafiam. No início da minha carreira, sem muita consciência, nutri mais meu lado otimista acreditando que minhas aspirações e a realidade teriam que convergir. E assim, na força bruta, arrastei toda e qualquer barreira no sentido oposto. Percebendo essa preferência, meu lado pessimista relegado às sombras, espertamente se disfarçava de virtuoso, estudioso e científico buscando uma maneira de evitar uma eventual alienação.
Nesta primeira Carta do Gestor de 2024, gostaria de compartilhar com vocês como tenho navegado e integrado esses dois aspectos da minha personalidade enquanto observamos o cenário do Venture Capital no Brasil este ano. Para "tirar o band-aid", inicio com a perspecitva que alimenta o meu lado pessimista.
Acompanhando centenas de empreendedores e empresas nos últimos 16 anos, observo que, no Brasil, as startups ainda não alcançaram o mesmo ritmo de crescimento nem têm acesso ao mesmo mercado que suas contrapartes americanas, chinesas ou israelenses. Seja por recursos humanos, financeiros e/ou tamanho de mercado, é crucial reconhecermos esta disparidade, especialmente quando consideramos os preços praticados no mercado nos últimos anos, muitas vezes equiparados aos ecossistemas de VC mais desenvolvidos.
Observando os ciclos tecnológicos, constato que, no Brasil, ainda há menos maturidade nos padrões de inovação e transformação. Os ciclos tecnológicos se desdobram em camadas de infraestrutura, plataformas, aplicações e transações. A infraestrutura é a base tecnológica, composta por hardware, redes e sistemas operacionais. Sobre essa base, as plataformas fornecem um ambiente para desenvolver e implementar aplicações, que são os produtos finais utilizados pelos usuários, como softwares e aplicativos. Por fim, as transações representam as interações e trocas de dados entre usuários, dispositivos e sistemas, por meio dessas aplicações e plataformas, abrangendo desde transações financeiras até interações sociais. No contexto brasileiro, nosso ecossistema ainda se concentra predominantemente em aplicações e transações, enquanto as infraestruturas e plataformas, mais valiosas, permanecem em estágios menos desenvolvidos.
Percebo também que os fundos de VC estão crescendo em tamanho, o que, embora possa parecer uma vantagem à primeira vista, também traz desafios significativos em termos de retornos. A volatilidade cambial continua a ser um obstáculo para o capital internacional que busca alocação na classe de ativos brasileira. Enquanto isso, no Brasil, os juros ainda representam uma barreira para o capital doméstico, que muitas vezes prefere investir em ativos mais tradicionais e de menor risco.
Por fim, ainda enfrentamos as consequências da ressaca dos valuations dos últimos anos, que "turvam" a visibilidade sobre as oportunidades de investimento e criam uma atmosfera de cautela entre os investidores. Nestes cenários mais adversos, investidores acabam interrompendo seus investimentos em VC, perdendo assim a chance de participar das melhores safras.
Ao mesmo tempo, meu lado otimista constrói uma narrativa diferente. Recordo que em 2000, quando a Endeavor começou a disseminar a cultura empreendedora no Brasil, a palavra "empreendedorismo" sequer constava no Dicionário Aurélio, sendo simplesmente representada por "empresários". Ou seja, há 24 anos, o ecossistema que hoje celebramos estava apenas em gestação. Lembro que em 2008, quando começamos a "startupiar" por aqui, era o mesmo que jogar futebol de várzea com bola de meia, e hoje já estamos nos aventurando rumo à UEFA, com empreendedores de segunda e terceira geração construindo empresas sólidas, ágeis e operando em mercados cada vez maiores.
Me impressiono com a quantidade de founders experientes e de grandes talentos ainda querendo explorar o mundo e a filosofia agile das startups. Também me lembro do tamanho da oportunidade relacionada ao volume de uso de aplicativos de todas as categorias no Brasil (somos o 2º ou 3º maior mercado das principais plataformas globais - vide WhatsApp, Uber, Instagram), à baixa penetração do e-commerce e de SaaS por aqui, os recentes ajuste de preços nos ativos digitais e as perspectivas de AI. Há muito o que se fazer e um grande mercado endereçável.
Meu lado otimista também se alimenta com o fato de que, ao longo dos últimos 12 anos, nossos fundos "Journey" retornaram mais de 40% ao ano, o fundo de 2014 já devolveu 7 vezes o capital investido, nosso melhor investimento já valorizou mais de 72 vezes e a Astella já vendeu mais de 12 empresas. Isso importa porque, em Venture Capital, performance passada é preditivo de performance futura.
Vejo uma atividade pujante no ecossistema no qual uma empresa de tecnologia é vendida a cada dois dias no Brasil e que, embora já existam mais de 100 fundos de Venture Capital por aqui, isso não se compara com a competição entre mais de 7 mil fundos nos EUA, por exemplo. Temos um mercado de capital local com fundos robustos que atuam em diferentes ciclos dos fundos globais.
Como investidor em busca de alfa e de grandes retornos, sei que o equilíbrio está em entender os ciclos, as subidas e descidas, as fases expansivas e contrativas, os limites do otimismo e ponderação do pessimismo, sem perder de vista o processo para assim seguir investindo no que há de melhor no empreendedorismo brasileiro.
“Um bom compositor não imita; ele rouba.” Igor Stravinsky.
Obs.: Grande parte dos princípios do que escrevi aqui foi roubada do Nilton Bonder.