Nos últimos dias, tivemos a primeira sessão que abriu a Trilha de Marketplaces do AEN (Astella Expert Network). Nesse evento de abertura, o Lucas Abreu (Astella) apresentou para o seleto grupo de empreendedores deste modelo de negócios sobre o que é o AEN de Marketplaces e a Laura Constantini (Astella) compartilhou os aprendizados da pesquisa sobre as Sete Lições de Marketplaces.
Como conteúdo especial do evento, convidamos Gustavo (Guga) Fino (co-fundador Nana Delivery e Zé Delivery) e Tiê Lima (co-fundador da Enjoei) para uma conversa bem aberta, recheada de dicas e aprendizados que eles tiveram ao longo de suas jornadas construindo marketplaces de grande relevância no Brasil.
Nesse post, compartilho alguns dos principais insights e lições que me trouxeram ainda mais clareza para alguns aspectos de marketplaces como o Cold Start de um Marketplace, a construção do efeito de rede, a importância de um equilíbrio eficiente de oferta e demanda e sobre recorrência e os super usuários.
Primeiramente, é interessante ressaltar que ambos founders comentaram da relevância de uma iniciativa de troca de conhecimento, como a do AEN de Marketplace, pela importância entender a dinâmica deste modelo de negócio, que é complexo, desde o início, dada a necessidade de equilibrar diferentes lados em um negócio só. Com isso, se tivessem tido tal conteúdo, acreditam que teriam entendido antes que é possível crescer de forma mais sustentável, evitando a ansiedade do crescimento exponencial do começo da jornada empreendedora.
O Cold Start e a busca da Liquidez
No caso do Zé Delivery, compreender o lado da oferta foi chave. Antes de iniciar as operações com a marca atual, fizeram testes em Campinas-SP, onde cadastraram mais de 100 distribuidores, porém, sem liquidez ainda, chegavam apenas poucos pedidos por cliente. A baixa procura acabou desengajando esses diversos distribuidores, fazendo com que se desconectassem da plataforma, não aceitando os pedidos. No final deste teste, viram que apenas um pequeno número de distribuidores acabava aceitando a grande maioria dos pedidos.
Com esse aprendizado, começou o Zé Delivery de forma mais controlada no lado da oferta com apenas um distribuidor e uma região de atendimento. Com isso, era possível focar todo o apoio para que pudesse garantir que este parceiro entregasse a proposta de valor que os founders acreditavam ser possível e viável para a rede no longo prazo. Dessa forma, conseguiram destravar as primeiras entregas com qualidade e crescer a demanda.
No caso da Enjoei, o primeiro grande desafio foi gerar liquidez. Dado o tráfego e conteúdo que tinham graças ao seu blog, de onde tudo começou, buscavam equilibrar a procura com a demanda de forma 'manual', e disponibilizar os produtos que seriam prontamente vendidos. Além disso, para criar mais liquidez, buscaram sempre reduzir fricção para o fechamento de negócio com curadoria manual e escolha de produtos para serem apresentados, ou ferramentas que deixavam compradores e vendedores negociarem o preço.
A construção de efeito de rede
Guga comentou que é muito importante ter claro qual a proposta de valor do seu negócio. Por exemplo, na época, no caso do Zé Delivery, era: ter na palma da mão (1) um serviço disponível a hora que você quisesse, (2) um sortimento que atendesse a necessidade desse público e (3) a um preço acessível, como de um supermercado. Porém, essa proposta de valor não se encaixava diretamente com o funcionamento dos parceiros naquele momento. Para isso foi necessário chegar aos distribuidores com uma proposta específica de apoio, um sistema de incentivos e a entrega de acessibilidade a cadeia de valor para que esses parceiros conseguissem atender essas três diretrizes.
Assim, conseguiam criar um ambiente de entregas dos serviços do Zé Delivery, sem ter a massa crítica para escalar ainda. Com a entrega de uma proposta de valor superior no mercado, conseguiram atrair clientes através do boca a boca e crescer mais de 150x vezes em pouco anos.
Com esse fluxo de usuários chegando, gerou um desejo natural dos distribuidores de fazerem parte do ecossistema do Zé Delivery, porém agora com o poder de barganha maior para o lado da plataforma, sem a necessidade de sistemas de incentivos. E, por fim, o flywheel girava com mais potência pois com a entrada de novos membros elevava ainda mais a proposta de valor da Zé Delivery - de mais disponibilidade, sortimento e bons preços - agregado a ganhos de escala operacionais e logísticos para o negócio, fortalecendo os efeitos de rede.
Equilíbrio de Oferta e Demanda ao longo da jornada
Para o Tie e o Enjoei, é importante entender quais iniciativas geram mais retorno para o equilíbrio da plataforma e do seu efeito de rede ao longo do tempo. Isso muda e nunca é trivial. É preciso testar de forma rápida e criar processos para entender quando é possível concluir que os testes não deram certo para evitar ineficiência.
No início, trouxeram muitos usuários com mídia paga graças ao Facebook, que tinha um custo de aquisição barato, e gerava Unit Economics maiores que um na primeira compra. Porém, nos últimos anos, esses custos cresceram. Então, buscaram entender o que podiam fazer para criar o melhor balanceamento e gerar uma liquidez que fosse interessante para os dois lados.
Por exemplo, na pandemia, entenderam que trazer mais seller era uma ação mais sustentável para os Unit Economics do que investir diretamente na aquisição de novos usuários. Com mais compradores online na pandemia e com seus indicadores de shelf rate saudáveis, incentivaram a recorrência do lado da demanda.
Isso trouxe organicamente mais vendedores para a plataforma, equilibrando e crescendo o marketplace de forma mais saudável. Além disso, ter mais vendedores traz melhores economias em outros fatores operacionais como custos logísticos e custos de aquisição de usuários como uma forma de equilibrar o efeito de rede e melhorar os unit economics.
Unit Economics
Para o Guga Fino, quando se está falando de Unit Economics, é chave entender o que é Temporário - algo que está fazendo para gerar algum benefício momentâneo para o efeito de rede - e o que é Permanente ao modelo de negócio de um marketplace ao longo prazo.
Algo temporário, por exemplo, é que quando chegar no objetivo da escala e eliminar o subsídio, essa ação deverá não afetar o comportamento do usuário, como a recorrência de compra ou de desengajamento dos distribuidores.
Se é algo permanente e não sustentável ao seu modelo de negócio, você deve buscar outros lugares para compensar essa essa ineficiência econômica do modelo. Um exemplo, é o frete e entregas mais rápidas, que geralmente é subsidiado pelas plataformas, porém elas devem ser capazes de capturar o valor em outra frente para essa compensação.
Portanto o benefício do subsídio deve ser baseado na construção da rede, de engajamento e da proposta de valor que permaneça ao longo prazo, e não subsidiar aspectos que não se beneficiarão na escala.
Recorrência e Super Usuários
Ambos, entendem que ter um sistema de identificação, e assim mapear os diferentes perfis de usuários dentro das redes e seus comportamentos de uso e engajamento. Entendem que quanto mais o marketplace se expande, mais claro ficam esses diferentes perfis e as necessidades de cada um deles. A partir dessa consolidação e análise, cabe aos fundadores entender onde focar e as diferentes formas de como engajar cada perfil ao seu marketplace.
No caso dos super usuários, perfil de usuários que gera um valor desproporcional à rede e sua liquidez, são cruciais para marketplaces, tanto do lado da demanda como da oferta. Isso é uma lei de potência de negócio de rede. Ambos entendem que gerenciar esse equilíbrio pode trazer mais liquidez e rentabilidade. Essa proporção de super usuários pode ser de até 15% da base, e esses poderão representar mais da metade das compras.
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Este foi um pouco do resumo da primeira conversa, com aprendizados muito em linha com o que aprendemos nas Sete Lições de Marketplaces, que você pode ler clicando aqui.