"Nossa reverência pela independência não leva em conta a realidade do que acontece na vida: mais cedo ou mais tarde, a independência se torna impossível. Seremos acometidos por doenças ou limitações sérias. É tão inevitável quanto o pôr do sol. Surge então uma nova questão: se vivemos pela independência, o que fazer quando ela não pode mais ser sustentada?” - Atul Gawande.
Meu avô, Joseph Chalfon nasceu na Bulgária em 1907.
Quando jovem gostava de natação e esquiava na região de Vitosha. Com a idade seguiu mantendo a forma com longas caminhadas já aqui na cidade de São Paulo.
Considerava sua saúde impecável, e era assustadoramente disciplinado.
Minha avó, a bela Dona Bela, nasceu em 1921.
Fumou muito, cozinhava muito, viajou o mundo com as amigas e nunca soube o que era ginástica.
Para ela a diabetes e os doces eram absolutamente compatíveis.
A despeito de uma diferença de 14 de idade, meu avô se preparou para uma situação sem minha avó muito antes da sua partida.
Anotava as receitas preferidas e metodicamente fazia as tarefas da casa na expectativa de manter seu estilo de vida na ausência dela.
Possivelmente esqueceu que o relógio do tempo é implacável.
Meu avô se foi em 1989 aos 82 anos, bem acima da expectativa média de vida do brasileiro naquele tempo que era de 65 anos de idade.
Já Dona Bela tocou a vida sem se preocupar muito com as recomendações dos médicos e seguiu nos hábitos de sempre até quando deu.
Os recursos mais avançados da medicina disponíveis com certeza ajudaram, mas apesar dos cuidados médicos ela passou os últimos anos com limitações de mobilidade significativas e uma qualidade de vida declinante.
Nos despedimos em 2003, com os mesmos 82 anos de idade que meu avô.
Nesse ano a expectativa de vida no país era de 71 anos.
Podemos então afirmar que o Seu Joseph teve um “bonus time” de 17 anos, enquanto minha avó teve apenas 11, e uma qualidade de vida bastante inferior à dele nos últimos anos.
O futuro maior mercado consumidor do país
Vivemos um período de rápida expansão da população mais madura do Brasil.
Antes da pandemia, a expectativa de vida do Brasileiro estava em 78,8 anos de idade, 21% maior do que nos anos 90. Um crescimento explosivo da população acima de 60 anos no país.
Se em 1990 esse universo mal chegava aos 10 milhões de pessoas, hoje já são mais de 30 milhões. Em 2030 serão 42.000.000 segundo projeção da ONU.
Para efeito de comparação, é uma Argentina inteira.
Silver Economy
O termo “Silver Economy” nasceu no Japão na década de 70 dentro de um contexto para ampliar e facilitar a infraestrutura de produtos e serviços dedicados à população mais madura.
Mais recentemente o termo ganhou nova dimensão. A geração Silver atual convive com o aumento da longevidade, avanços em tratamentos de doenças crônicas e uma alta penetração da Internet. Isso torna ela bastante particular não só nos aspectos de saúde mas também econômicos e culturais.
A ciência não abandonou a eterna busca pela longevidade, mas não basta viver mais. A busca é viver mais e com mais qualidade.
A Silver Economy é robusta no consumo. Hoje o universo acima de 60 anos representa cerca de 15% da população e 20% do consumo, segundo pesquisa do SEBRAE.
O SPC realizou uma sondagem em 2019, que apresenta dados interessantes sobre o consumo da economia prateada.
- 94% dessas pessoas são responsáveis por manterem as suas respectivas famílias;
- 52% estão dispostos a pagar mais caro por causa da qualidade do produto/serviço;
- 64% são os únicos responsáveis pela tomada de decisão na hora da compra;
- 48% preferem consumir do que economizar;
- 66% possuem uma vida financeira melhor atualmente;
- 45% têm dificuldade em encontrar produtos específicos.
São todos fatores que se somam ao crescimento demográfico e reforçam a tamanha transformação que já estamos vivendo.
Uma geração super conectada
Quem chega aos 60 anos de idade em 2020, já convive com a Internet comercial há bastante tempo.
Embora distantes da familiaridade com tecnologia que os nativos digitais têm, boa parte do universo 60+ interage com a tecnologia de maneira significativa nas relações sociais e de trabalho ao longo dos últimos 20 anos.
Segundo pesquisa do CNDL/SPC 97% desse segmento da população tem acesso à Internet, sendo que 84% acessam primariamente via seus smartphones.
Basta olhar para o lado e perceber o quanto intensa é essa relação no dia a dia, com nossos familiares e amigos interagindo o tempo todo em celulares e tablets.
Só que por mais que a tecnologia tenha se tornado ubíqua no cotidiano de todos, ela segue sendo desenvolvida primariamente com foco nos mais jovens, sem um olhar atento aos diferentes desafios da vida de quem tem mais idade.
Não é apenas ter acesso. É necessário garantir uma experiência adequada e segura para a realidade desse segmento para tornar essa relação sustentável e inclusiva.
Segmentando Grandes Mercados
A segmentação vertical da oferta de negócios que já possuem ampla massa crítica na economia digital, com UX ou oferta específica para a realidade da demografia de pessoas acima de 60 anos, representa um enorme potencial.
Pense no aplicativo do banco com tantas opções, para quem estava acostumado a pedir tudo diretamente ao gerente.
No motorista de aplicativo que não consegue dar a atenção necessária para o embarque de quem tem dificuldade ou simplesmente precisa de acompanhamento até a porta de casa, porque tem um incentivo no volume de corridas.
Os marketplaces de serviços com ofertas que poderiam ser focadas em necessidades como acompanhamento em consultas médicas, lazer ou simplesmente companhia.
São produtos e serviços cotidianos que basicamente não conseguem oferecer uma experiência adequada a esse universo porque o incentivo primário é atender o maior número possível de pessoas da mesma maneira, abrindo um espaço enorme para concorrentes especializados.
Atendendo uma nova demanda
Na busca por resolver problemas específicos temos novas soluções capazes de atender de maneira horizontal necessidades particulares de quem tem mais idade.
São negócios para garantir a independência e qualidade de vida com tecnologia desenvolvida especificamente para o envelhecimento
Praticamente todos os setores apresentam oportunidades.
Em países onde o envelhecimento populacional já é presente há mais tempo, diversas iniciativas estão ganhando rápida tração.
Exemplos não faltam.
Desde os recentes unicórnios Papa, que tem uma oferta de “family on-demand”, Honor um marketplace de profissionais de cuidados para aqueles que precisam de mais atenção no dia a dia, até produtos com recursos específicos como a E-Vone, que faz calçados conectados que ajudam em situações de queda ou casos de perda de localização, e a Nesterly, uma proptech que aluga imóveis compartilhados para pessoas com mais idade.
Uma característica que permeia essa nova geração de produtos e serviços é que não são adaptações, e sim plataformas construídas desde o início com foco nas necessidades do usuário final, tanto na experiência de interação e C.S., modelo de negócios e a estratégia de aquisição de clientes.
Coda
A sociedade já percebeu que não basta apenas se viver mais.
É fundamental viver bem, por mais tempo.
Não dá para adivinhar o futuro.
Mas poucos temas são tão certos e inevitáveis como o envelhecimento da base populacional do Brasil nos próximos anos e a mudança significativa nos padrões de consumo e relacionamento que isso vai proporcionar.
Se quisermos criar os líderes de uma economia que em 10 ou 20 anos será dominante, precisamos investir na construção desses negócios agora.
Vai empreender com tecnologia na Silver Economy?
Escreve para a gente aqui.
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Quer saber mais?
O blog da Layla Vallias: https://laylavallias.com.br/blog
Aging2: https://www.aging2.com/
SilverEco: http://www.silvereco.org/en/
Mortais, Atul Gawande.
Lifespan: David Sinclair