“Todo trabalho é vazio a não ser que haja amor” Khalil Gibran
O ano é 1964. Você, X, é apaixonado (a) por café e sente que degustar essa bebida milenar é sua grande paixão. Suas opções para tornar essa paixão um sustento são:
- Trabalhar para uma empresa de café como degustador (sim, existe essa profissão);
- Empreender e abrir um coffee shop, o que além de exigir um investimento razoável, irá limitar o impacto a sua região;
- Empreender e produzir café, o que exigirá muito capital (só sendo possível para aqueles com recursos abundantes).
Vamos para 2020. Você, Y, também é um amante do café e quer fazer dessa paixão a sua renda. Para conseguir isso, o primeiro passo deve ser expor essa paixão ao mundo, que muitas vezes ocorre a partir da criação de um canal de conteúdo que, se entregar um valor real na vida de outras pessoas que também amam o assunto, o levarão a construir uma base engajada de consumidores de conteúdo. No momento que essa base estiver constituída, você poderá monetizar em cima dela de diversas formas. Por exemplo:
- Criar um curso no Hotmart (ou em qualquer outra plataforma) sobre degustar café, servir café, ou sobre a história do café;
- Criar uma newsletter (paga) especial em plataformas como o Substack;
- Criar cursos presenciais com sua base de consumidores;
- Vender e-books;
- Usar propagandas como fonte de renda;
- Receita de afiliados: você recebe uma % da receita proveniente tráfego que seu canal direciona para parceiros;
- Fazer co-labs;
- Merchandising;
- Diversas outras formas.
O que fica claro na comparação 1964 x 2020 é que a internet nos concebeu muito mais ferramentas à disposição para criar, divulgar e monetizar nosso conteúdo com pessoas que têm interesses semelhantes. Hoje é possível que criadores sigam suas paixões e consigam viver financeiramente dela. Essa tendência global foi batizada como Passion Economy, que é a forma como pessoas podem viver a partir das suas paixões e habilidades criativas. O termo foi criado por Li Jin, Venture Capitalist e criadora.
100 x 1000 true fans
Há duas perspectivas interessantes sobre a quantidade de fãs que um criador precisa para ter sucesso, sendo que a unicidade dos dois ângulos estão em uma premissa base: O segredo para fazer da sua paixão a sua profissão é ter uma base engajada.
Kevin Kelly, editor da Wired, escreveu em 2008, que:
“ Para ser um criador bem sucedido, você não precisa de milhões. Você não precisa de milhões de dólares, milhões de clientes ou milhões de fãs. Para fazer a vida como fotógrafo, músico, designer, artesão, escritor, empreendedor, inventor, entrevistador, você só precisa de 1.000 fãs verdadeiros…
… A matemática funciona da seguinte forma. Você precisa atender dois critérios. Primeiro, você precisa criar o suficiente para que em um ano, você tenha $100 de lucro bruto (margem bruta) de um fã verdadeiro. Em segundo lugar, você deve ter uma relação direta com os seus fãs. Eles devem te pagar de uma forma direta.”
Para Kevin, um fã verdadeiro é aquele que consome quase tudo que você produzir.
12 anos depois, Li Jin, deu um passo adiante e constatou que a maturidade do universo digital permite que você consiga ter apenas 100 fãs, que gastariam $1.000 ao ano. A base do argumento é que as plataformas atuais permitem um relacionamento muito mais profundo entre criadores e fãs. A medida que mais valor é gerado para os fãs, maior também é a abertura para maiores investimentos por parte dos mesmos. O framework abaixo, retirado do texto de Li Jin, explica as diferenças entre os dois modelos:
Esses números não são absolutos. A sua importância está em expor que não é preciso ter milhões de seguidores para conseguir viver da sua paixão. A matemática é flexível e o que importa no final é como é gerado valor para o consumidor do conteúdo. É preciso que criadores compreendam o Job-To-Be-Done do seu trabalho e de alguma forma quantifiquem o valor que eles estão gerando.
Classe média de conteúdo
Há uma north-star metric que todos devemos acompanhar para entender se a Passion Economy está se tornando mainstream: O número de criadores que vivem das suas paixões deve crescer exponencialmente. Se isso acontecer, veremos a popularização de uma “classe média” de criadores, que resultam em uma “cauda longa”, isto é, uma democratização do pool de receitas para uma base maior de criadores.
Em setembro de 2020, o fundo de Venture Capital Signal Fire divulgou um estudo sobre o universo dos criadores de conteúdo. Segundo o report, hoje há mais de 50 milhões de criadores de conteúdo, sendo menos de 5% profissionais. A tese que os entusiastas da Passion Economy defendem é que vários dos “amadores” tendem a se tornar criadores profissionais, além disso veremos muito mais criadores amadores ao longo dos próximos anos.
O movimento de “cauda longa” e popularização da “classe média” de criadores não será capitaneado por plataformas hoje dominantes como Youtube, Spotify, Instagram, visto que essas empresas foram construídas sobre lógicas desiguais de distribuição de renda e relevância. No Spotify, por exemplo, 1% dos músicos recebem 90% dos ganhos. No Youtube, os algoritmos são construídos sob a lógica de que os criadores com mais views/inscritos sejam beneficiados ao invés dos pequenos canais.
É justamente nesse ponto que enxergo uma erupção de novas empresas que irão disruptar a forma como o mercado é concebido hoje. A minha tese é que a Passion Economy não será construída por plataformas incumbentes e, sim, por novas plataformas que estão criando novas lógicas de monetização, discovery e relacionamento para os criadores.
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Esse artigo é o primeiro de uma série sobre Passion Economy. O próximo será um aprofundamento sobre as plataformas que estão sendo a base da criação dessa nova categoria de economia no mundo.
Se quiser se aprofundar nesse novo mercado, segue o link para uma biblioteca de conteúdos que estou lendo sobre o setor:
https://www.notion.so/astella/Passion-Economy-Library-9f2a0d41ffee4f3787e91d4d05564125
É criador? Nunca houve tantas formas de se conectar com seu público e promover trocas de tanto valor.
É investidor? Estamos nos early days desse movimento, vale a pena acompanhar Li Jin, Blake Robbins e outros VCs que estão se tornando thought leaders dessa nova categoria.
É empreendedor? Habilitar pessoas a viver de suas paixões é um dos mais belos propósitos e será habitat de uma safra de startups que transformarão o futuro do trabalho.
E, se de alguma forma um fundo de VC puder ajudar você, adoraria poder contribuir. Email me: lucas@astellainvest.com