PONTOS-CHAVE:
- Você tem que buscar o público alvo que esteja desesperado pelo que você oferece. Em estágio Pré-PMF é mais eficiênte iterar e pivotar o modelo por meio do "Onde" ou "Quem" do que no "O que" ou no "Por que".
- É preciso encontrar a sua Normandia, um sub-segmento mínimo viável dentro do seu mercado alvo, onde a adoção e fit do mercado com o seu produto seja o mais potente, e, com isso, a partir dali dominar todo o segmento de mercado.
- Um segmento ideal deve ser 1) homogeneo, na forma que responde aos atributos da oferta, e 2) com seu clientes e usuários conectados entre si por comunidades de forma que seja possível referenciar o produtos uns aos outros.
- O tamanho do segmento ideal deve ser 1) grande o suficiente para o seu negócio ser potencialmente relevante dentro dele e 2) pequeno o suficiente para que seja possível dominar ou se tornar uma referencia para os clientes dentro dele.
Ter clareza do foco de mercado e um segmento alvo é o meio caminho para o Product-Market fit, já que entendendo as dores do cliente você é capaz de oferecer uma proposta de valor superior e única. Com o foco em encontrar um sub-segmento, é possível ser mais eficiente em razão do foco que na linguagem com o cliente e eficiência nas ações de marketing e comunicação. Com isso, é possível criar a dominância dentro de um nicho, e assim buscar usar essa relevância para criar alavancas de expansão orgânica para outros mercados.
Para um PMF Radical e potente, encontrar a sua Normandia, um segmento alvo de escopo claro, de clientes 'desesperados' que puxam e imploram pelo produto de você, é o passo para encontrar a velocidade de crescimento e expansão. Assim como o PMF é a coisa mais importante para uma empresa early-stage que ainda não encontrou, a pujança do segmento inicial é mais importante do que o TAM.
Um sub segmento ou um nicho é uma porção delimitada de uma categoria, ou um segmento de um grande mercado. O objetivo do uso da segmentação de mercado é que seja possível agir de forma distinta em mercados diferentes e, assim, criar relevância e dominar o espaço com foco e diferenciação.
Portanto, para chegar nessa representatividade que cria essas alavancas de mercado, é preciso começar de forma estratégica, de sub segmento a sub segmento, a partir da sua Normandia.
Encontre a sua Normandia
Na Segunda Guerra Mundial, a Normandia foi a região escolhida pelas Forças Aliadas como foco e ponto de entrada para avançar pela Europa. Foi uma das mais importantes decisões estratégicas dessa guerra, que acabou derrotando a Alemanha a partir disso. A estratégia, chamada de Beachhead Strategy, foi de conquistar e assegurar uma praia, e, a partir dali, dominar as demais praias e em seguida o continente. A cada micro área dominada, a expansão se fortalecia com soldados mais equipados e preparados, além da melhoria da infraestrutura logística das Forças Aliadas para alavancar a conquista de novas regiões.
Assim como na Guerra Mundial, a decisão do segmento alvo para começar é uma decisão estratégica extremamente importante em um ambiente de negócios de crescimento veloz e eficiente. Decisões que devem se pautar no que cria o encaixe do Produto com o Mercado mais pujante e construção de vantagens competitivas de longo prazo como, melhor distribuição e mais rápida adoção, crescimento de penetração do mercado, construção do efeito de rede ou aceleração de roadmap da tecnologia do produto, entre outros.
A Normandia nesse caso é o seu "mínimo segmento viável", onde estão seus primeiros clientes ou usuários que usarão e comprarão seu produto, falarão dele deliberadamente para sua comunidade e parceiros e que, por fim, serão a sua plataforma para avançar para mercados adjacentes. Em negócios que envolvem mais de um lado, como marketplaces, é preciso definir um segmento para cada lado.
O framework do livro Crossing the Chasm, do Geoffrey Moore, é talvez um dos melhores modelos mentais para construir o avanço de segmentos específicos para encontrar o PMF. De acordo com o autor, a curva de adoção tecnológica transita de um mercado inicial de visionários e early adopters até um mercado mainstream, cada segmento com suas características demográficas e psicográficas. O livro sugere que para cruzar o abismo você precisa de um caso de uso convincente capaz motivar o mercado a pedir por aquela solução, um produto que atenda aquela solução e uma comunidade capaz de criar o boca-a-boca e reforçar a mensagem de marketing, até convencer os mais pragmáticos.
Um exemplo interessante é o da Wealthfront, solução de investimentos automática, do cofundador Andy Rachleff, que descreveu esse avanço de comunidade em comunidade desta forma:
"Começamos com jovens em tecnologia e com engenheiros em empresas tech, e então eles contaram aos gerentes de produto e ao pessoal de biz dev e aos vendedores, e depois contaram a seus amigos com quem foram para a faculdade e poderiam ser advogados ou médicos. Eles então contaram a seus amigos localmente e depois contaram a seus amigos nacionalmente, e continuaram crescendo de boca em boca. Também aprendemos que os funcionários das empresas de software enterprise não eram bons alvos porque eram mais velhos do que as pessoas que trabalhavam em empresas de internet de consumo".
Portanto, a sua Normandia deverá ter um público alvo com características de uma comunidade de entusiastas, visionários que sejam receptivos e capazes de ecoar o benefício do seu produto.
Inovadores e Early Adopters
Os primeiros mercados escolhidos são entusiastas e inovadores, ou pessoas que conversam com a sua linguagem. Eles compartilham da mesma e acreditam na visão do fundador, com isso acreditam que o seu sucesso irá validar seus próprios insights e de alguma forma querem fazer parte disso. Por isso, estão abertos para dar feedbacks e ajudar a construir o roadmap e se conectar com pessoas que também podem ajudar. Neste momento o objetivo é validar a hipótese de entrega de valor.
Os early adopters são visionários que entendem o problema e a sua proposta de valor, e acreditam que o produto pode trazer benefícios e vantagens competitivas; por isso, estão dispostos a serem os primeiros a usarem. Apesar de serem clientes que usam o produto com frequência, eles exigem alguma atenção, por isso ainda é difícil de escalar máquinas de vendas pois preferem um atendimento mais próximo, e com isso é possível iniciar a construção dos fundamentos dos seus processos de venda.
No B2B de produtos mais complexos como Enterprise, podem ser o que o mercado chama de Design Partners, ou parceiros que ajudaram a desenhar o produto. Para B2C, geralmente pode ser construído com comunidades e grupos beta que acreditam nesse mercado, em que é possível ter sessões de trocas de aprendizados e descoberta. Esse perfil deve ser segmentado baseado em aspectos psicográficos e de Job-To-Be-Done, e não necessariamente em aspectos ou firmo-demográficos.
Gerar adoção e uso de inovadores e early-adopters é relativamente fácil na curva de adoção de tecnologia. Então, esse é um processo de interação, testes e feedbacks, que geralmente leva alguns meses para trazer resultados claros e eliminar falsos-positivos. Por isso, o objetivo é que essa adoção e uso se amplifique em fãs do produto, capazes de disseminar a sua mensagem e criar as referências necessárias do caso de uso para chegar aos pragmáticos e cruzar o abismo.
A caraterística de um mercado ideal para cruzar o abismo
Segmento para cruzar o abismo e encontrar o product-market fit tem quer ter duas características:
1) Tem que ser homogêneo na forma que reage para aquela linguagem de marca, produto, preço, entre outros fatores. Geralmente, para negócios de efeito de redes, a homogeneidade está, geralmente, dentro de uma geografia ou de categorias específicas de produtos. Para negócios em SaaS alguns parâmetros mais claros são que aqueles grupos de potenciais clientes compartilham dos mesmos usos de casos, geografias ou profissões.
2) Esses potenciais clientes estão conectados em alguma espécie de comunidade e referenciam produtos uns para os outros. Eles conversam entre si em alguma espécie de fórum e trocam percepções sobre a tomada de decisão de compra de serviços. Basicamente é onde deverá entrar o tão poderoso boca-a-boca e crescimento orgânico, chave para o crescimento dentro do Product-Market Fit.
Qual o tamanho ideal de um segmento para cruzar o abismo?
Acreditamos que uma unidade atômica de crescimento eficaz é capaz de construir U$10 milhões/ano, antes de expandir para outras dimensões (de mercado, produto, canal ou modelos). Então, para encontrar o segmento ideal que traga potencial para seu crescimento, de acordo com Geoffrey Moore, é que seja delineado da seguinte forma:
(i) Grande o suficiente para poder crescer o suficiente para se tornar uma empresa relevante nele. Onde seja possível atingir dez vezes o seu tamanho depois do PMF. Dessa forma, podemos pensar em um segmento que seja capaz de levar em uma tração relevante para construção dos primeiros fundamentos da sua escala, ou um estágio de Séries-A, quando começa a buscar novas adjacências e outros PMFs.
Porém, deve ser (ii) pequeno suficiente para você se tornar o líder com 35-40% deste segmento. Se ele for 100x ou 200x maior do que o tamanho da sua startup, ela nunca será relevante nesse segmento, e terá dificuldade de usufruir de efeitos de rede ou alavancas de viralidade e boca-a-boca.
E, por fim, (iii) é importante que esse segmento faça sentido com o seu posicionamento e com o diferencial, e que sua conversão e win-rate demostre uma vantagem radical.
Os Pragmáticos
Como o próprio nome diz, os pragmáticos não estão dispostos a tomar o mesmo risco que os perfis anteriores. Eles preferem ver provas sociais do valor do produto e colocam na balança o preço, prós e cons, e precisam ter clareza no retorno desse investimento. Portanto, olham para a reputação da marca, e a solução precisa ser uma escolha fácil e clara.
Esse perfil, de acordo com Crossing The Chasm, representa a maior parte do seu mercado, o início do produto em um mercado mainstream. Então, é necessário ter instituído um processo de Go-To-Market robusto que seja escalável, para que o seu Product-Market Fit faça sentido.
Frameworks para avaliar e definir o segmento alvo
Existem diversos frameworks para avaliar, definir e decidir sobre a Normandia, mas, como em toda decisão estratégica, a qualidade dos inputs de informação e insights e um mapeamento das opções são extremamente importantes. Essas características do segmento são descobertas interagindo com os clientes, pesquisas e experimentos, então um processo bem estruturado e contínuo de Customer e Market Discovery é extremamente importante.
Alguns frameworks:
No post "Diário de um VC: rumo à conquista do universo", do nosso sócio Edson Rigonatti, ele descreve o Market Development Strategy do Geoffrey Moore, que é um exercício de avaliação de diferentes perfis de mercado, basicamente dando notas de 1 a 5, e ranqueando as opções pelos seguintes critérios:
- Dor: Qual deles tem a maior dor: nota 5 para os que estiverem com o cabelo pegando fogo e nota 0 para os que não têm relevância;
- Produto-Fit: Para qual deles o meu produto está pronto: 5 para os que eu já atendo por completo, e 0 para os que eu ainda preciso de 652 sprints para terminar o produto;
- Ecossistema: Para qual deles eu tenho mais parceiros e aliados: 5 para aqueles cercados de empresas que se beneficiam do uso do meu produto, 0 para aqueles cercados de inimigos;
- Capacidade e founders-fit: Para qual deles eu sei vender: nota 5 para aqueles que a minha especialidade se encaixa como uma luva, 0 para aqueles que eu preciso de 2 anos para virar ninja;
- Willingness to pay e preço: Para qual deles o meu preço se encaixa melhor: 5 para os que acham o meu produto barato, 0 para aqueles que não vê valor nem de graça;
- Competição: Para qual deles temos menos competição: 5 para aqueles que não nenhuma outra alternativa, 0 para os que são a última bolacha do pacote;
- Posicionamento: Para qual deles em me posiciono melhor: 5 para aqueles que me reconhecem como a autoridade, 0 para os que não sabem pronunciar o nome da minha empresa;
- Próximas adjacências: Qual deles me leva para a próxima adjacência: 5 para aqueles que influenciam as outras personas, 0 para os que não me levam a lugar algum.
Outros frameworks interessantes:
- Alguns exemplos são interessantes são do como do Rahul Voora, do Superhuman, que descrevemos no artigo #3 do Playbook de PMF.
- Outro case é interessante como descreveu em um tweet de Nathan Barry, founder do ConvertKit, sobre como ele nichou ao máximo no início, e, de forma não escalável, fez o onboarding e criando empatia e conhecimento sobre as frustrações dos seus clientes.
- O livro Disciplined Entrepreneurship Workbook, de Bill Aulet, traz também bons Frameworks para guiar na busca da Normandia. Ao final, depois do extenso trabalho e exploração para decisão, o autor sugere que os founders e primeiros membros assinem um Acordo com a Definição do Mercado Alvo para se comprometer com o foco até encontrar as métricas de definem o PMF, até o segmento ser mais aprofundado ou até se comprovar não viável.
Como escolher em qual focar?
É preciso encontrar um padrão que lhe dê conforto de focar e atuar no seu posicionamento como alavanca de crescimento. Se você pensa que todos os tipos de clientes gostam por diferentes razões, você não encontrou o padrão.
No seu processo de Discovery e interações com o seu cliente por conversas diretas ou processos de onboarding, é possível mapear dentro da base de clientes as característica que possam desenhar o padrão entre eles. Eventualmente, apesar de diferenças entre eles, você deve enxergar um padrão. Como, por exemplo, no B2B, é possível entender dentro do stack de ferramentas dos clientes qual é mais comum, ou como respondem similarmente a teste A/B de um blog post, landpage ou um pitch de vendas, ou até qual o número padrão de pessoas na equipe de usuários. É preciso encontrar um padrão, de forma clara, e incluir o perfil de cliente que consegue clareza que ganha converte na grande maioria que apresenta o produto para este perfil.
No post 3 do Playbook de PMF, o framework da Superhuman apresenta as perguntas que eles usam e como processam as informações para entender qual era o melhor segmento para focar, como desenvolver o Roadmap e, também, como pensar nas próximas adjacências.
Também é importante que seja estratégico na construção do seu mapa e escolha do ICP para servir como pinos de boliches em que ao acertar um, ele te leve aos outros pinos e você atinja de fato uma penetração relevante de um mercado grande.
Conclusão
Um bom escopo inicial de mercado para focar é aquele que descreve de forma simples e intuitiva para essa definição, baseada em parâmetros claros firmográficos (setor, tamanho, número de colaboradores, entre outros), no caso do B2B, assim como não diretamente relacionados mas Job-to-be-done, Willingness To Pay (budget), Ecossistema (e Stack de tecnologia que utilizam), Perfil de empresa, entre outros...
- Por exemplo, em B2B, "empresas com uma equipe de criação de mais de três pessoas, com budget de mais de R$ 100 mil, e usam tal stack de tecnologia".
Para B2C, da mesma forma, além dos fatores demográficos(idade, profissão, rendas, etc...), também buscar compreender os comportamentos e hábitos dessas pessoas.
- Por exemplo, "mulheres, de 25 a 40 anos, de cargos de gerência ou diretoria, de empresas de tecnologia, que trabalham remotamente e valorizam a natureza".
A busca não é encontrar quem compraria o seu produto, mas encontrar o perfil mais desesperado para solucionar aquela dor e, ainda, os que mais valorizam aquela proposta de valor única. Dessa forma é possível ser bem específico e, mais importante, permite excluir os perfis de clientes para não dissipar a força do seu PMF para poder, além de comprar e usar, também referenciar o produto em comunidade e estimular uma onda de viralização do produto.
O trabalho de segmentação é importante para um plano de encontrar o Product-Market fit, de forma deliberada. Se a sua proposta de valor não é validada, não será construindo novas features que você fará o "cabelo do seu cliente-alvo pegar fogo". Você tem que mudar e buscar o público alvo comum, que esteja desesperado pelo que você oferece. Por isso é mais interessante iterar no "Quem" ou no "Onde", do que no "Por quê?" ou no "O quê?".