Esse texto é baseado em uma apresentação que fiz para os empreendedores do Astella Expert Network (AEN), em nossas sessões sobre Fundraising.
A construção de pitch decks é, sem dúvida, um dos conteúdos mais explorados e disseminados para empreendedores de startups na internet. Existem dezenas ou centenas de ótimas referências, postagens em blogs e guias para ajudar fundadores de startups a ordenarem e organizarem seu material de captação de investimento.
Nessa apresentação, o objetivo foi passar as informações que nós, da Astella, esperamos ver em um deck e, a partir delas, como processamos e analisamos essas informações para avaliação dentro dos nossos critérios de investimento, que acaba resultando em nossa tomada de decisão para os investimentos.
Além das informações contidas no pitch deck, é muito importante se atentar como essas informações estão sendo expostas e se, por exemplo, estão sendo expostas de forma convincente. Sobre esse ponto, e super complementar ao meu conteúdo, recomendo acessar os materiais da Laís Grilletti, especialista de storytelling e partner do AEN, para entender a melhor forma de construir a narrativa e apresentar as informações.
O Playbook de Pitch Decks
Como mencionei, o assunto pitch deck tem muita literatura de qualidade disponível para construção de um documento. Nesse vasto acervo de referências, os grandes tópicos que devem ser cobertos dentro de um deck talvez já seja convenção para a maioria dos VCs.
A DocSend, plataforma que mais transfere pitch decks de startups hoje em dia, tem um estudo que traz qual é essa convenção dos tópicos e ordenação dos slides em um deck de captação de investimento para startups:
Linkando as Informações do Deck aos Nossos Critérios de Investimento
Na Astella, nós analisamos as oportunidades de investimento em quatro grandes pilares e, dentro deles, há 36 critérios de investimentos. Os quatro grandes pilares são:
Ao analisar um pitch deck, geralmente conseguimos cruzar as informações do bloco com um, ou mais, dos nossos critérios. Por exemplo, no formato da DocSend, conseguimos encontrar as informações de cada um dos blocos que buscamos:
Porém, como veremos, nem sempre as informações disponíveis no deck são suficientes para cobrir alguns dos nossos critérios, muitas vezes, precisaremos ir mais a fundo, refletir sobre as informações e aplicar análises e outras validações.
1. Pessoas
Apesar do mantra do Venture Capital de “sempre apostar no empreendedor”, o pilar de Pessoas é o que menos conseguimos obter as informações que precisamos dentro de um pitch deck. Geralmente, apenas 20% da informação está no documento ou conseguimos em uma pesquisa rápida em redes sociais. A grande parte das informações desse grupo vem das interações, entrevistas e deep dive ao longo do processo de investimento. Uma outra parte importante das informações são alicerçadas ao longo da relação da Astella com os empreendedores, principalmente antes de nos engajarmos no processo de investimento.
Algumas informações básicas de função, carreira e graduação de cada membro cofundador, conseguimos checar rapidamente, seja por meio de redes sociais, como Linkedin, ou por meio de contatos próximos que nos conectaram com a oportunidade. Mais profundamente, ao longo do processo, buscaremos informações e analisaremos como foi o relacionamento da equipe empreendedora e a dinâmica de trabalho, e o que foi construído antes do desafio atual, seja em outra startup que fundaram ou em outras empresas ou corporações que fizeram parte. Além disso, outro ponto importante é compreender, além do currículo, qual a experiência e o segredo que trazem da trajetória pessoal e carreira para o negócio.
2. Mercado & Indústria
Esse pilar é o que é possível levar mais informações para o investidor, mas nós vemos que muitos empreendedores colocam essas informações de forma rasa. Quanto mais claras as informações e maiores os insights para oportunidade, melhor será a nossa construção mental para a análise e, com isso, melhor nosso engajamento a partir dos primeiros contatos. Acreditamos que 80% das informações podem estar disponíveis no deck.
Abaixo, fizemos a correlação das seções do deck com alguns dos critérios (em negrito) que buscamos para analisar este bloco:
- Problema e Solução: Mercado Alvo e a definição da Persona.
- Why Now: Qual o “Willingness / Readiness to buy” e as Tendências de Crescimento dessa oportunidade.
- Market Size: Tamanho do Mercado.
- Product: Produto & Tecnologia e a Arquitetura do Produto.
- Business Model: Arbitragem do Modelo de Negócios.
- Competition: Ambiente de Competição.
A partir das informações disponíveis no deck, aprofundamo-nos sobre o setor e como o modelo da empresa se encaixa no mercado por meio de diferentes frameworks de análise.
Primeiro, nós buscaremos entrevistar usuários ou agentes do ecossistema do produto, além de fazermos nosso próprio “test drive” na solução. Com isso, queremos entender se o Produto é 10x melhor do que as outras propostas do mercado.
Em seguida, em uma análise interna, para um melhor entendimento do Mercado & Indústria, buscamos desenhar a Cadeia de Valor em que a oportunidade está inserida. Para nós, esse ponto é muito importante, porque poderá refletir o potencial de disrupção que o modelo ou solução poderá ter no setor e qual a Dinâmica Competitiva que o empreendedor escolheu enfrentar. Por exemplo, se o objetivo é manter a cadeia atual e buscar uma maior eficiência do que já existe, ou se busca influenciar o modal da cadeia desintegrando mercados tradicionais ou integrando mercados fragmentados.
A segunda análise dentro da Cadeia de Valor é avaliar o profit pool e o revenue pool dessa indústria. Nesta análise, queremos compreender a dinâmica do mercado e encontrar onde está a maior fatia de receita desse mercado, qual a margem de cada uma dessas verticais e onde a empresa está posicionada para buscar as melhores oportunidades. Por exemplo, essa imagem abaixo é a visão do profit pool do setor automobilístico:
O terceiro ponto é sobre o posicionamento e a clareza da proposta de valor. Assim como os clientes ou usuários, nós devemos ter o entendimento claro sobre o que a startup vende em praticamente uma frase. Aqui, recomendo a leitura do texto do Edson Rigonatti sobre a “Origem do Produto Perfeito”.
E, por último, o Modelo de Negócio. A Astella é agnóstica quanto a modelos de negócios, seja Consumo, Marketplace ou SaaS, com clientes B2B, B2C, B2G ou C2C. Neste critério, queremos entender, dentro da cadeia, quais ações a empresa faz para gerar a sua demanda e entregar a sua oferta e, com isso, quais as vantagens competitivas ou barreiras de entrada podem ser construídas ao rodar o modelo, como, por exemplo, efeitos de rede, eficiências de escala, switching costs, fortalecimento da marca, entre outros.
3. Empresa & Oferta
Neste bloco, procuraremos indícios e hipóteses das cinco máquinas de uma empresa. Acreditamos que 70% dessas informações podem estar no pitch deck. As seções do deck e os critérios (em negrito) que buscamos para analisar esse bloco são:
- Company Purpose: Posicionamento
- Product: Máquina de Produto
- Competition: Vantagem Competitiva
- Financials: Crescimento (Receita, Usuários, KPIs) e Margem Bruta
- Business Model: Propriedade de Geração de Leads e Máquina de Vendas
Esse bloco é o que mais cria robustez nos pitch decks ao longo da evolução das startups e em cada estágio de investimento. Por exemplo, estudos mostram que decks de rodadas de Series A têm 30% mais slides do que de rodadas Seed. Neste bloco, o que mais se acrescenta são questões de métricas da empresa e sua consistência. Os 30% restantes das informações que precisamos são capturadas em um deep dive.
Em um aprofundamento na análise, gostamos de avaliar o produto no framework de construção de posicionamento, a partir dos cinco grandes atributos da April Dunford:
Em seguida, olhamos com profundidade os KPIs do negócios. Geralmente, nesta etapa, olhamos o dashboard da equipe de gestão e os dados históricos da operação da startup. Em fases iniciais, como em Pre-Seed ou Seed, a maior área de análise é feita sobre as métricas de Vendas e Marketing e de Produto. Para a Máquina de Vendas, buscamos entender as hipóteses de Geração de Demanda e, a partir de métricas, como funciona o motor dessa máquina. Para a Máquina de Produto, buscamos mapear e medir, por meio de métricas, qual a profundidade e o real engajamento dos usuários com o produto.
Quando a Startup é mais madura, costumamos olhar com maior profundidade as outras máquinas da empresa. Como, por exemplo, a Máquina de CS (Sucesso do Cliente), em que queremos entender indicadores, como a evolução dos cohorts de usuários ou clientes, ou a Máquina de Talentos, analisando o pipeline de talentos, cultura e diversidade, e a Máquina de Governança, observando quem são os principais executivos e como funciona o sistema de gestão e da estratégia da empresa.
4. Estrutura & Potencial
O último grande pilar de análise é o de Estrutura & Potencial das oportunidades de investimento. Nela, buscamos entender a potencialidade do investimento. Encontramos, geralmente, 50% das informações disponíveis do pitch deck e a outra metade obtemos por meio de deep dive, diligências e negociação. Alguns dados, como tamanho da rodada, uso dos recursos e cap table, podem estar disponíveis no material.
Indo mais a fundo, buscamos refletir se o valor proposto a ser captado é o ideal, ou seja, se o montante de captação está alinhado com a narrativa e o plano de uso dos recursos da empresa para crescer, construir e chegar ao próximo estágio de investimento.
Outro fator importante é a governança e como a Astella, normalmente como líder da rodada Seed ou Series A, se acomodará dentro do conselho da empresa.
Além disso, um fator muito relevante em nossa análise é sobre a rota de Venture Capital, a opcionalidade do investimento para próximas rodadas ou os caminhos de liquidez ao longo do ciclo do nosso fundo. Para isso, costumamos estudar e monitorar o mercado em busca das melhores referências de dados de rodadas, em conjunto com nossa base de dados e aprendizados. Portanto, para dirimir alguns riscos, analisamos com muita atenção o cap table, se é justo e favorável para fazer jus à potencial trajetória, e, se na evolução da empresa, o valuation da oportunidade poderá gerar um investimento fund returner para a Astella.
Conclusão
Consideramos que o deck é um importante documento para comunicar e discutir a estratégia da empresa para stakeholders, como, por exemplo, investidores, cofundadores e colaboradores, que os apoiarão na construção do negócio. Então, é importante que tenha neste material informações mais claras possíveis e informações técnicas que reflitam de fato a estratégia do negócio. O ideal é que não seja muito raso ou muito óbvio, para que mostre de fato o diferencial da oportunidade, mas que, na outra ponta, não seja tecnicamente profundo, dificultando o entendimento.
Como comentei no início, a história é outro aspecto muito importante na elaboração e apresentação das informações. Muitas vezes, esse fator, pode mudar a forma de apresentar as informações de modo que não havíamos conseguido enxergar o potencial futuro.
Portanto, para nós, a clareza nos pontos elencados acima em um pitch deck nos facilita a reflexão e a análise dos nossos critérios e, por conseguinte, nos gera maior engajamento para tomarmos a decisão, ou para podermos gerar mais valor para o empreendedor.